Nós chamamos o Fernando Gabeira de “senhor”. Ele ficou meio incomodado. Nós, que digo, somos eu, a Kelly e o Potter, no Timeline, da Gaúcha. O curioso é que o entrevistávamos a propósito dos 80 anos que completou dias atrás. Ou seja: um octogenário não gostou de ser chamado de senhor. Ele não se irritou, não foi nada grave, apenas reclamou com jeito: “É por isso que vocês estão me chamando de senhor?”
Entendo a queixa do Gabeira. Eu mesmo, admito, sinto certa dificuldade em pensar nele como um “senhor”, porque o Gabeira foi uma espécie de símbolo da juventude nos anos 70 e 80. Foi o nosso Dany Le Rouge. Menos rebelde do que Dany Le Rouge, é claro, mas igualmente libertário. Não por acaso, ambos entraram no Partido Verde, bem como outro guerrilheiro urbano da época, Alfredo Sirkis.
Esses dois, Gabeira e Sirkis, escreveram clássicos sobre a guerrilha. Se você não leu, corra agora atrás de “O que é isso, companheiro?” e “Os Carbonários”. São livros de um trecho da história do Brasil que se lê com a fluidez de um romance.
Isso, de ser chamado de senhor, não faz muito aconteceu comigo. Eu dava uma palestra virtual para uma faculdade de jornalismo de Criciúma, e uma aluna começou uma pergunta assim: “O senhor acha que...”
Não prestei mais atenção ao que ela falava. Senhor. Senhor! Ela me chamou de senhor! Olhei bem para a aluna. O frescor da juventude rebrilhava na lisura da sua pele, na rigidez dos seus músculos, na inocência do seu olhar. Uma menina questionando um velho que ingressava já na reta final da sua trajetória. Oh, Deus!
Senhor. Compreendo que, em determinadas circunstâncias, é preciso haver formalidade. Nos Estados Unidos, nenhuma professora é chamada de “tia” ou de “profe”. É senhora, é senhor. Acostumado com isso, meu filho, quando foi ter aula aqui, no Brasil, ia chamar os professores de “senhor”, mas viu que ninguém fazia assim e desistiu, embora se sentisse um pouco desconfortável com a intimidade, no início. Dany Le Rouge, inclusive, causou escândalo ao tratar os professores por “tu” e não pelo convencional “vous”.
Tempos atrás, o ministro Marco Aurélio, do STF, repreendeu uma advogada que se dirigia aos juízes usando “vocês”. Tinha de ser vossas excelências, conforme recomenda a liturgia.
Tudo bem, “senhor” é sinal de respeito. Até de alguma reverência. Mas também de antiguidade. Era no que pensava, quando se encerrou a palestra com os estudantes de Criciúma. “Sou um senhor”, murmurei para mim mesmo, erguendo-me penosamente da cadeira em que estava sentado. “Sou um macróbio”.
Arrastei-me para o primeiro espelho que havia na casa e me pus diante dele. Encarei-me com espírito crítico. Compreendi que a moça de Criciúma tem razão: tornei-me um senhor. Quando, exatamente, aconteceu isso, meu Deus? O que devo fazer?
Preciso me adaptar à realidade. É a atitude mais saudável, mais correta e mais honesta. Aceitação, esse é o segredo. Aceitação. Só assim para encontrar também o lado bom da situação, que tudo tem um lado bom.
Qual será parte boa da vetustez? Fiquei me imaginando nessa nova (na verdade, velha) fase: eu de suspensórios, cachimbo e boina. Pois foi aí, precisamente aí, que vi o que há de positivo na velhice: o cardigan. Senhores usam cardigan. E eu sempre quis usar cardigan, mas tinha vergonha. Agora usarei sem medo ou pejo. Vestirei meu cardigan quentinho e aconchegante, sairei a passos lentos por aí e ouvirei dos jovens: “Lá vai um respeitável senhor dentro do seu belo cardigan”.