Há cerca de dois anos, nós entrevistamos o presidente dos Correios e Telégrafos, no Timeline da Gaúcha. Os Correios estavam em crise, agências seriam fechadas, situação bem ruim. Aí, resolvi usar um exemplo pessoal para mostrar como o trabalho da empresa andava deficiente. Contei que, três meses atrás, enviara um envelope de Boston para o Brasil, e o destinatário não recebera. Então, o presidente, com a autoridade habitual dos presidentes, comentou que eu provavelmente mandara a correspondência mais barata, de pior qualidade, donde o atraso.
Tipo: eu era um chinelo, que não fora capaz de pagar um pouco mais por um serviço um melhor, e ainda queria reclamar que não havia sido entregue. Cheguei a perceber o tom de desprezo na voz do presidente. Fiquei aflito. Não queria que um presidente tivesse opinião desfavorável a meu respeito. Tive vontade de explicar: ele estava pensando mal de mim, mas não era nada daquilo que parecia, juro! Eu, na verdade, até havia despendido mais de cem dólares para mandar meu envelope, depois que o destinatário informou que não recebeu nada. Só que esse dinheiro paguei ao americano Fedex, que, afinal, entregou a encomenda. Ou seja: eu não sou muquirana, senhor presidente. Não sou!
Infelizmente, a Kelly puxou outro assunto, não pude me explicar e até hoje o presidente deve falar mal de mim.
Agora, leio que, para o ano que vem, ou talvez para o outro, 2022, os Correios serão privatizados. Foi tal o desbaratamento da empresa, foram tantos os casos como o meu, que essa medida surge como inevitável.
Tudo bem, se tiver de ser, seja. Mas lamento. Eu nutria certo carinho pelos Correios. E não se trata de uma veia estatizante minha, um socialismo adquirido nos bancos da universidade, como vivem a repetir olavistas, bolsonaristas e outros animais exóticos do século XXI. Não é nada disso. Tanto que, este sentimento, eu o tinha também pela Varig, que era empresa privada.
É que essas instituições antigas, que prestavam serviços de alta qualidade, faziam com que me sentisse valorizado como cidadão e como consumidor. Como pessoa, enfim.
Você descia a Rua da Praia, olhava para o relógio em forma de cubo pendurado na parede da Casa Massom e pensava que aquela hora era mais certa do que a que indicava o Big Ben. Afinal, aquela era a Casa Massom, e o que havia na Casa Massom era o que havia de Melhor.
Você tinha de indicar um hotel de categoria para um nababo que viesse visitar Porto Alegre? Indicava o Everest. O Everest era o próprio luxo, um lugar onde todos eram paxás.
Você queria se sentir um psicanalista vienense do século XIX, tomando um oloroso chá da tarde e mordendo o melhor, o mais cremoso e o mais delicado mil-folhas da história da culinária de todos os tempos, Amém? Bastava ir à Confeitaria Thomson, na Independência.
Esses lugares tratavam o cliente como um nobre e o cliente, ao frequentá-los ou usufruir de seus serviços, nobre se sentia.
É assim: um lugar que oferece bons serviços, bom atendimento e bons produtos não está apenas oferecendo serviços, atendimento e produtos; está oferecendo amor-próprio ao consumidor. Em qualquer desses lugares você sentia que havia dignidade, respeito e orgulho pelo que se fazia. Como é que empresas assim são dilapidadas, murcham e deixam de existir? Tudo passa, dizia o Eclesiastes. Mas o que se faz bem acaba fazendo bem aos outros. E nunca haverá de passar.