Tenho pensado em desistir da galinha. Minha avó matava galinhas. Vez em quando conto isso. Ela tinha um galinheiro em casa, no fundo do pátio. Nos dias de semana, ia até lá, metia a mão embaixo do corpo quente de uma galinha aboletada em um ninho e, daquele lugar recôndito, trazia um ovo. Considerava esse ato uma prova do destemor da minha avó. Ela nunca sequer cogitou da possibilidade de a galinha ou mesmo o galo protestarem contra aquela invasão da intimidade do galinheiro. Ela simplesmente tomava o ovo e com ele preparava gemadas ou omeletes ou o cozia para que comêssemos com uma colherinha às 10h da manhã.
Nos domingos, a coisa era mais grave. Minha avó ia ao galinheiro e de lá voltava com uma galinha viva e cacarejante debaixo do braço. Então, ainda no pátio, ela torcia o pescoço da galinha num único movimento decidido, crec. A galinha passava para um plano superior sem nem protestar. De imediato, minha avó tomava uma chaleira de água fervente e derramava no cadáver da galinha, para que as penas saíssem com mais facilidade. Ainda posso sentir o cheiro de pena queimada quando penso nisso, por Deus.
Será essa a razão de eu estar pensando em desistir da galinha, esse cheiro nauseante que ainda sinto? Vai ver.
Ou pode ser porque, uma época, quando a situação financeira não estava boa lá em casa, nós íamos almoçar aos domingos na minha avó e a mãe dizia para mim e para meus irmãos: “Caminhem olhando para baixo. Se acharmos cinco cruzeiros, compramos um frango assado com polenta!”.
Ela estava falando daquele frango que fica rodando nos fornos envidraçados – o pessoal chama de “televisão de cachorro”. São uns frangos lindos, dourados, apetitosos, mas nós jamais achamos cinco cruzeiros. Nem um único cruzeiro, para falar a verdade.
Quem sabe, deu-me uma reação traumática: agora que posso comprar o frango, não quero.
Pode ser.
O fato é que nutro certo desprezo pela galinha, mesmo quando ela está viva. Porque a galinha é ave, mas não voa. Ela tampouco galopa, nada ou mergulha. A galinha não é indômita, como o tigre, ou orgulhosa, como o cavalo. A galinha não possui a beleza maliciosa do gato ou a fidelidade alegre do cachorro. A galinha não é inteligente, como o macaco, nem imponente, como o elefante.
Conto tudo isso porque, esses dias, vi uma galinha sozinha na rua. Passava de carro pela Borges de Medeiros e flagrei a galinha andando à margem da avenida. Ela parecia atônita, enquanto os carros zuniam velozmente a metro e meio dela. Havia pessoas por perto, mas ninguém reparava na galinha. Eu vinha devagar, por isso pude olhar bem nos olhos dela. Divisei um brilho de desespero. De abandono. Fosse um vira-latas, daria um jeito de atravessar a avenida em segurança. Fosse um gato, se homiziaria no alto da árvore mais próxima. Mas a galinha obviamente não sabia o que fazer. “Que galinha burra”, pensei. “Vai morrer atropelada.” E, nesse instante, pareceu-me que a galinha me encarou profundamente. Como se gritasse: “Socorro! Socorro!”.
Fui tomado por um perturbador sentimento de compaixão. Tive pena da galinha (sem trocadilho). Quis parar o carro, correr até ela, tomá-la nos braços e salvá-la. Poderia levá-la para casa, dar-lhe boa ração e um lugar quente para dormir. Imaginei que a galinha, em retribuição, se tornaria leal à minha pessoa e me seguiria por toda parte. Se alguém tentasse fazer algo contra mim, a galinha reagiria, se botaria no agressor e o afugentaria a duras bicadas.
Mas logo percebi que estava fantasiando. Galinhas são notórias mal-agradecidas. E tapadas: ela não compreenderia que salvei sua vida. Além disso, acho que a Marcinha não ia gostar da companhia da galinha e o Bernardo prefere ter um cachorro como bicho de estimação. Assim, não a ajudei, rumei para meu destino. Mas passei o dia inteiro cogitando: será que não devia ter socorrido aquela galinha? Pior: vez em quando ainda me censuro por minha omissão, lembrando do olhar aflito que me lançou a triste galinha. Isso me irrita. Por que me importar com esse animal estúpido? Nem sou apreciador de pratos com galinha! Quando como galinha, é só para não fazer desfeita... Por esse motivo, decidi: não como mais. É um aviso que faço a todos que me convidarem para jantares: desisti da galinha. Em nome do meu paladar. E da minha consciência.