Foi a comunidade negra que insistiu na exaltação do 20 de novembro como uma efeméride especial para o Brasil. A ideia era tirar a importância do 13 de maio, o dia da abolição da escravatura, e transferir todas as comemorações e reflexões para a data em que morreu Zumbi dos Palmares, no final do século 17, em Pernambuco.
Por que isso?
Por que o Dia da Consciência Negra tem de ser o 20 de novembro e não o 13 de maio?
Basta olhar para a história para compreender. Dom Pedro II levava o pseudônimo de “O Magnânimo”. Devia ser chamado de “O Omisso”. Dom Pedro governou o Brasil por quase 60 anos, uma eternidade. Durante esse período, as nações sul-americanas foram conquistando independência, se tornando repúblicas e abolindo a escravidão. No começo da década de 60 do século XIX, os Estados Unidos passaram por uma das mais cruéis guerras civis da história da humanidade, em que morreram 650 mil pessoas. Nessa guerra, a grande disputa era a extinção do regime escravagista nos estados do Sul. O Norte venceu, e todos os americanos restaram livres. Enquanto isso, a Inglaterra se mobilizava para proibir o tráfico de escravos nos mares do mundo. Os ingleses penalizaram o Brasil de inúmeras formas, inclusive capturando os navios negreiros, mas os traficantes brasileiros sempre davam um jeito de ganhar dinheiro vendendo carne humana.
Existia, no Brasil, um forte movimento abolicionista. Havia homens ilustres em todas as classes que compreendiam o terrível mal humanitário, econômico, político e moral que a escravidão representava para o país. O maior empresário brasileiro da época, Irineu Evangelista, o Barão de Mauá, pregava, sempre, que a escravidão não era apenas uma vergonha, era também um atraso para a nação.
Mesmo assim, Dom Pedro II nunca fez nada em favor da imensa, e crescente, população negra brasileira. Dom Pedro II tornou-se famoso por se interessar pela ciência, por ser um homem moderno e humanista. Na verdade, era o oposto disso: tratava-se de um covarde. Submeteu-se aos barões do café, permitiu que uma elite atrasada mantivesse o Brasil nas trevas enquanto o mundo inteiro avançava para as luzes.
Não, a família real brasileira não merece homenagens no Dia da Consciência Negra. Merece repúdio. Porque os negros não ganharam a liberdade; os negros foram abandonados à própria sorte. Assim foi em 1888 e tem sido até agora. O Brasil pouco faz para a real integração dos homens de origem africana à sociedade. Os negros é que fazem por si. Como fizeram ao decidir, eles próprios, o herói que deveriam reverenciar em seu dia.
Pois justamente neste Dia da Consciência Negra de 2020, um homem negro foi assassinado por dois seguranças no estacionamento de um supermercado no IAPI. Homens negros têm gritado, desde então: “Foi racismo!
Você, se é branco, pode considerar essa afirmação subjetiva. Porque, de fato, ela é. O racismo, em um caso desses, está na intenção, mais do que no ato, já que homens de todas as etnias são assassinados todos os dias no Brasil. Mas os homens negros compreendem algo que um branco não compreenderia. Compreendem que eles, negros como o homem que morreu, poderiam estar em seu lugar. Um branco talvez não entenda que ele, por ser branco, provavelmente, não. É esse sentimento que dá, aos homens negros, a convicção de que estão certos ao gritar: “Foi racismo!” Porque, há séculos, desde o Brasil Império, eles percebem a diferença. Há séculos, desde o Brasil Império, eles a sentem na pele.