Meu programa matinal de domingo foi fazer algumas compras absolutamente necessárias, como o novo álcool gel com fragrâncias florais, e depois rumar para o meu local de votação, no coração do IAPI. Entre a ida e a vinda, levei quase duas horas circulando pelas ruas de Porto Alegre. Enquanto rodava pelos bairros, prestava atenção nas pessoas que portavam bandeiras, cartazes ou adesivos de seus candidatos. Fiquei espantado: contei pelo menos 30 eleitores da Manuela e um, apenas um, de Melo.
Sabia que essa minha espécie de pesquisa boca de urna poderia ser bem falível, porque muitos dos eleitores da Manuela são os velhos militantes do PT, que gostam de fazer barulho e de se mostrar nas campanhas eleitorais. Mas havia outra pesquisa, a do Ibope, que apontara vitória da Manuela por 51% a 49%, no sábado. Além disso, todas as pessoas com quem falei disseram que Melo foi triturado no debate de sexta-feira. Foi essa a avaliação das pessoas: de que foi um massacre.
Ou seja: a lógica dos últimos dias indicava a vitória de Manuela. Mas, quando as urnas falaram, não foi esse o som que se ouviu. Acompanhei o resultado da eleição pela Gaúcha. Que trabalho de qualidade superior fizeram o Scola, a Rosane e o Macedo! Que orgulho dos meus amigos! Eles narraram e comentaram a apuração como se formassem uma equipe esportiva cobrindo uma final de campeonato. Nenhum espaço foi deixado em branco, nenhuma observação parecia banal, que aula de jornalismo deram os três!
Eu, ao pé do rádio, vibrava como se estivesse assistindo ao Grande Prêmio Bento Gonçalves no Hipódromo do Cristal. Macedo, Rosane e Scola conseguiram tornar a contagem dos votos emocionante sem jamais perder a equidistância jornalística.
Enquanto eles descreviam a vitória até certo ponto fácil de Melo, eu tentava entender o que aconteceu. Como a candidatura de Manuela se esboroou no final?
Então, compreendi: não foi no final. A candidatura de Manuela, na verdade, nunca teve chance, porque a grande massa silenciosa não votaria nela de maneira nenhuma. Manuela era a candidata da elite intelectual. Seus maiores contribuintes, imagine, foram Caetano Veloso e a mulher dele, Paula Lavigne, que, juntos, doaram R$ 200 mil para sua campanha. Além dos intelectuais, dos artistas e dos profissionais liberais, Manuela teve apoio da ainda poderosa estrutura do PT.
Mas, contra ela, moveram-se vagas de eleitores que não gritavam, não vestiam camiseta, não portavam bandeiras, não se manifestavam nas redes: os eleitores que passaram a rejeitar os extremos da política brasileira. Manuela, que é do PC do B, que foi a São Paulo para participar do comício de Lula, que tinha um vice do PT, Manuela representa, sim, uma das pontas da régua política do país. Por isso não se elegeu.