Fins de novembro, feito esses, eram como sexta-feira para nós, guris do subúrbio de Porto Alegre. Eram a antecipação da festa. Eram, como diria Freud, o princípio do prazer, só que com outro significado.
Nós ficávamos agitados, nos últimos dias de novembro. O verão estava chegando. Here comes the sun. Férias. Praia. Corpos bronzeados. Mulheres de minissaia na cidade e de biquíni na areia. Urru! O verão é tempo de dizer urru.
Mas não era assim que acontecia. Esse é o problema com os guris do subúrbio: eles querem muito, mas a realidade lhes oferece pouco. Em primeiro lugar, por questões geográficas. Naquela época, as famílias se mudavam para o litoral em dezembro e não voltavam antes de março. Só nós ficávamos na cidade, porque nós não tínhamos carro, nem casa na praia, nem dinheiro para fazer a migração. Mais tarde é que começamos a ir de carona para Tramandaí, mas aí já estávamos mais taludos, é outra história.
O fato é que as meninas pelas quais nos interessávamos estavam na praia e, nós, em Porto Alegre. Uma namorada da época, a Alice, ia sempre para Imbituba. Sempre. Sem falhar. Onde é que ficava Imbituba, meu Deus? Em outro Estado, distante de tudo, inatingível. Por que ela tinha de ir para Imbituba? Ela ia. Passava três meses lá. Eu mandava cartas e tentava avaliar a situação pela resposta dela. Para meu desespero, Alice estava sempre animada, sempre contando coisas maravilhosas que aconteciam em Imbituba. Quando voltava, com sua morenice reluzindo dolorosamente, ela às vezes espiava o nada lá adiante, suspirava e sussurrava: “Eu amo Imbituba...”
Nesses momentos, eu odiava Imbituba. Como odiava.
As raras meninas que ficavam em Porto Alegre passavam as tardes pisando os azulejos das piscinas dos clubes com seus calcanhares cheirosos de Leite de Rosas e macios de Creme Nívea, calcanhares que, se um dia, nós, guris do subúrbio, alisássemos, nos fariam chorar. Oh, sim, nós choraríamos.
Mas não éramos sócios de clube nenhum, então nos restava ficar sonhando com aqueles calcanhares lisos e drinques com sombrinha e mulheres dançando nas pérgulas das piscinas, que era isso que imaginávamos que acontecia naqueles lugares proibidos.
Ah, os fins de novembro eram dias de ilusão. Mas, pelo menos, não havia a possibilidade de lockdown, como há hoje. O mapa de Santa Catarina já está quase todo tingido de vermelho vivo, em estado de risco gravíssimo. Tudo vai fechar por lá, a Alice não poderia ir para Imbituba, se fosse neste verão. E o Rio Grande também está sob ameaça. As pessoas estão animadas demais, nesses fins de novembro. Elas estão se enganando. Porque o vírus continua entre nós. O vírus ainda grassa como a velocidade com que grassa a mentira. Use máscara! Lave as mãos! Para que o seu verão não seja como os velhos verões dos guris do subúrbio.