Nesta sexta-feira mesmo pensei no sanduíche das Lojas Americanas. Curioso isso, não sou um adepto das comidas rápidas, mas aquele sanduíche era especial. Porque era delicioso, sim, foi o melhor sanduíche que já comi na vida, mas também porque simbolizava algo maior. Direi o que é.
Naquela época, minha mãe trabalhava como professora do Estado. Graças sobretudo à valorização que lhes havia dado o Brizola, os professores não ganhavam mal. Então, no dia em que ela recebia o salário, tomava pelas mãos eu e meus irmãos e nos levava para passear na Rua da Praia.
Hoje, as pessoas não fazem ideia do que era a Rua da Praia. Era uma rua sofisticada, com prédios de arquitetura neoclássica e vitrines em que coruscavam as tentações do capitalismo mundial. O Centro todo tinha um ar europeu, era um prazer andar por aquelas ruas e apreciar o desfile dos tipos humanos da Capital.
Lá no alto, na Senhor dos Passos, morava Oswaldo Rolla, o “Foguinho”, o inventor do estilo gaúcho de jogar futebol. Quando jovem, ele descia todos os dias a pequena colina da Praça Dom Feliciano para ir trabalhar na Alfaiataria Aliança, no meio da Rua da Praia. Ainda na parte de cima da rua havia o famoso cachorro-quente da Princesa, depois a Galeria Malcon, onde as gatinhas ondulavam de minissaia, em seguida a classuda Casa Masson com seu relógio quadrado e, importante!, a Livraria do Globo.
Erico Verissimo, Josué Guimarães e Dyonélio Machado podiam ser encontrados na Livraria do Globo. Lá, Mario Quintana traduziu quatro dos sete volumes de Em Busca do Tempo Perdido, de Proust. A Livraria do Globo não era uma loja, era um templo. O certo seria você entrar de joelhos na Livraria do Globo, em sinal de reverência, seu infiel!
A Rua da Praia inteira era uma diversão, mas, quando passeava de mãos dadas com a mãe, minha grande expectativa era a visita às Lojas Americanas. Sabe o que é que tinha nas Lojas Americanas? Escada rolante! Tenho a impressão de que foi a primeira de Porto Alegre. Nós nos sentíamos muito tecnológicos, subindo na escada rolante. Sei de histórias de pessoas que vinham do Interior só para vê-la. Chegavam ao pé dos degraus e hesitavam. Algumas senhoras sentiam medo e não se aventuravam a subi-la. Outros, mais intrépidos, iam em frente com denodo. A alegria deles era visível. Você olhava e sentia vontade de sorrir com eles.
No segundo andar, quando você “desembarcava” da escada rolante, havia a lancheria. Nós nos sentávamos e sempre fazíamos o mesmo pedido: sanduíche americano com suco de laranja. Depois de alguns minutos salivando, víamos aterrissar na nossa frente pratos com o sanduíche cortado em triângulos e o suco denso, de laranjas espremidas na hora, a vitamina C saltando das bordas do copo.
Tínhamos direito àquele lanche uma única vez por mês, no dia do pagamento da mãe. Esse é um dos motivos para que uma refeição que hoje soa tão trivial ainda me pareça extraordinária. Mas não é só por isso. É por causa, também, do significado daquele dia. Era um momento de afetividade entre mim, meus irmãos e minha mãe, e também entre nós e a cidade. Aquela Porto Alegre era uma cidade de se fazer a pé. De caminhar e se deter diante de alguma novidade faiscante. De parar para conversar e ver quem passava. Uma cidade amena, de pequenos prazeres mundanos. Uma cidade que nos dava certo orgulho e que nos fazia sonhar com as coisas boas que oferecia. Uma cidade que não existe mais.