A Moema Kunzler me mandou uma mensagem: “Tu tens de ver Intrigas de Estado”. A Moema Kunzler é uma amiga que está há seis meses trancada em casa, em radical confinamento anticorona, lavando as compras que chegam do súper, ensaboando as mãos de meia em meia hora, assistindo a todos os filmes e séries agarrada firmemente a um tubo de álcool gel.
Como ela tem bom gosto, fui assistir. É muito bom. Não é um filme novo, tem 10 anos. Não sei por que não fez mais sucesso. Talvez devido ao título. “Intrigas de Estado” é ruim. O original, “State of Play”, não muito melhor. State of play seria, literalmente, estado do jogo. Tipo: em que pé está a situação? Mais ou menos isso. Ruim.
O protagonista é o Russell Crowe. Outro dia vi uma foto atual do Russell Crowe. Ele está bem gordo e bem barbudo. Deve ter se entregado aos prazeres mundanos da vida, o que é muito bom, mas acarreta sobrepeso. Esse filme, Intrigas de Estado, foi feito dez anos depois de Russell Crowe ter estrelado “Gladiador” e dez anos antes da foto que vi. Ou seja: ele estava em meio ao processo de engorde. Já com formas arredondadas, mas ainda válido como galã decadente.
Ele interpreta o repórter especial de um jornal de Washington e contracena com uma atriz chamada Rachel McAdams, uma moça de covinhas profundas e olhos brilhantes, mais jovem do que ele. Russell é o velho repórter do jornal impresso e Rachel é a colunista da versão online.
Russell é o jornalista romântico, que trabalha cercado de livros, revistas e papeis avulsos, como diria Machado de Assis. Ele mora sozinho em um pequeno apartamento meio desleixado e prepara o próprio jantar com mais desleixo ainda. Seu carro é um Saab de segunda mão, que um dos personagens diz parecer um cortador de grama. Lá está ele, o lobo solitário. Ele está meio fora de forma, ele se veste com casualidade e seus cabelos estão sempre desgrenhados, mas ele acredita na Verdade com vê maiúsculo, e é isso que importa.
Ele não é “fashion”, entende? As redes sociais já vigiam nos Estados Unidos daquela época, mas ele é indiferente a elas. Ele não faz yoga nem meditação, ele não “treina”, ele não empunha nenhuma bandeira moral, mas ele acredita na Verdade com vê maiúsculo.
Talvez você agora esteja se perguntando: existe Verdade com vê maiúsculo?
Existe.
Quem deu uma boa pista a respeito foi outro Russel, o filósofo Bertrand Russell. Numa entrevista fartamente reproduzida nas redes, ele ensinou: “Quando você está considerando algum assunto, pergunte a si mesmo quais são os fatos e qual é a verdade que os fatos revelam. Nunca se deixe divergir pelo que você gostaria de acreditar ou pelo que você acha que traria benefícios às suas crenças. Acredite apenas nos fatos”.
É isso. Crenças e ideologias são temas de fé e de convencimento. Não são a Verdade.