O Van Gogh está à venda. Se você é da noite e tem mais de 40 anos de idade, conhece o Van Gogh. É um dos bares mais antigos e mais tradicionais de Porto Alegre. Fica na esquina da João Pessoa com a República, a última fronteira da Cidade Baixa, espécie de Muralha de Adriano da boemia – de lá não se passava.
O Van Gogh tinha muitos predicados. O maior deles, não se intimidar com o avanço da madrugada. Suas portas permaneciam abertas bravamente até o amanhecer. Às vezes o sol ia alto e o Van Gogh ali, resiliente, matando a sede e a fome de seus clientes agradecidos. Fui várias vezes ao Van Gogh, mas nunca (nunca!) antes das quatro da madrugada.
A cidade mudou, as pessoas mudaram e a noite se transformou, tornou-se mais breve e mais séria.
Hoje é até estranho você falar numa noite que estende além das quatro da madrugada. A cidade mudou, as pessoas mudaram e a noite se transformou, tornou-se mais breve e mais séria.
Por coincidência, a Tânia Carvalho me enviou, neste mesmo domingo chuvoso em que escrevo essa crônica, uma foto da formação clássica do Café TVCOM: lá estamos eu, a Tânia, o Thedy Correa, o Zé Antônio Pinheiro Machado e o Tatata Pimentel. Estamos sentados em torno à mesa de algum bar ou café, sorrimos para o fotógrafo, e o Tatata mostra para a câmera um grande bolo vermelho de aparência apetitosa.
A Tânia sempre repete que o Café TVCOM foi o ponto alto de sua rica carreira na televisão e, de fato, aquele programa era especial, mas não é dele que quero falar agora, e sim do que apresentava o Tatata, chamado “Gente da Noite”.
O Tatata tirou o nome do programa de uma música antiga do Túlio Piva, “Gente da Noite”. A letra é curtinha:
“Gente da noite
Que não liga preconceito
Tem estrelas na alma
E a lua dentro do seu peito
Gente da vida cansada
Que ergue seu mundo
Na madrugada
Gente que canta e que chora
Chora de saudade
Quando a noite vai embora”.
Uma letra simples, como se vê, mas que dizia exatamente o que tinha de ser dito. Porque a gente da noite, realmente, “não liga preconceito”. Você está pouco se lixando se o seu companheiro da madrugada é de direita ou de esquerda, se ele luta a favor das minorias ou é um distraído dos dramas sociais, se ele acredita no que você acredita ou pensa como você pensa. Isso não importa. Importa apenas se ele é um amigo leal, se ele quer se divertir sem incomodar ninguém, se ele ouve quando você fala.
Em seu programa, o Tatata virava a noite de Porto Alegre em busca de pessoas que fossem assim. Se não achasse, no final, quando a madrugada estava prestes a fazer sua última curva no Parque da Redenção, passava no Van Gogh. Lá, ele, e todos nós, sabíamos o que haveríamos de encontrar: gente boa. Com estrelas na alma e a lua dentro do seu peito.