
Até o final da década de 1990, quem circulasse pelo Centro Histórico ainda poderia deparar com o último exemplar de uma das peças mais inusitadas com que o mobiliário urbano de Porto Alegre já contou: as bancas redondas da Rua dos Andradas.
A história delas começa em 1974, como parte do recém-inaugurado calçadão da Rua da Praia. Em uma reportagem de 26 de novembro daquele ano, sobre o movimento na região um mês depois da inauguração, o texto de Zero Hora destaca que o mobiliário ainda não havia sido ocupado, mas despertava a curiosidade dos pedestres:
"Por enquanto a obra, circular, é uma das peças do calçadão que mais chamam a atenção dos pedestres, por sua coloração vermelho-vivo e semelhança a um disco voador".
Segundo o arquiteto Luiz Antônio Bolcato Custódio, ex-diretor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e mestre em planejamento urbano, a comparação com um ovni não é à toa. Muito do design dos anos 1970 foi influenciado pela estética da corrida espacial das décadas anteriores. O formato de nave redonda foi consagrado pela Vostok 1, em que o russo Iuri Gagarin visitou o espaço pela primeira vez, em 1961.
Outra referência para a banquinha que aterrissou na Rua da Praia, segundo Custódio, foi a pop art, que passou dos pincéis de Andy Warhol para a arquitetura no encantamento com formas surpreendentes, materiais leves e cores vivas. Todos esses elementos convergiam na banca vermelha de fibra de vidro e vitrinas laterais de acrílico transparente. As janelas do molibiário se assemelhavam a uma tela de TV tubular. Observado de fora pelos transeuntes, o vendedor parecia um âncora de telejornal.

Olhando para os rafes do projeto do calçadão da Rua da Praia, as bancas redondas não seriam de todo alienígenas. Conversariam com outros mobiliários inaugurados no mesmo ano, como os orelhões triplos sob uma única cobertura em meio-círculo de acrílico e os postes desnivelados com cúpulas redondas. Outros, jamais saíram do papel, como uma cobertura de um lado ao outro da rua.

Na década de 1980, as banquinhas redondas se multiplicaram e chegaram a quatro. Porém, com o tempo, foram sendo descaracterizadas e substituídas sem muito alarde. Em Zero Hora, o último registro fotográfico de uma delas é de 1994.

Não houve um motivo claro para o abandono do modelo, mas o arquiteto Newton Burmeister, ex-secretário municipal de obras e de planejamento entre as décadas de 1980 e 1990, tem suas apostas:
– Porto Alegre nunca conseguiu estabelecer uma tradição de mobiliário público. Ter equipamentos que lhe são característicos. E o Centro sempre foi uma vitrine de testes para inúmeras tentativas de revitalização, mas como cada tentativa começa o processo do zero, ocorre a descontinuidade do mobiliário. Além disso, tem a questão da funcionalidade. Nesse ponto, a banquinha em forma de bola era absolutamente surreal – opina Newton.
Que o diga Ricardo Leite Maciel, concessionário que trabalhou na última delas. Azul, ela ficava quase em frente à Galeria Malcon, perto da esquina com a Rua Vigário José Inácio. Foi trocada por outro modelo em 1997, também já abandonado – de cor amarela, em formato hexagonal. Parte do público lamentou a troca por achar a banquinha redonda "charmosa" e "bonitinha", mas para o vendedor foi um alívio:
– Simplesmente não tinha como entrar nela. Eu tinha que saltar por cima das revistas. Aí o cara abria uma porta na frente, outra janelinha atrás e ficava sentado em um banquinho dentro de uma bola que esquentava o dia inteiro. Também não tinha como expor as revistas direito. Elas ficavam amarradas na parte de fora e, dentro, expostas como se estivessem em cima de uma mesa – conta Maciel.
Hoje, ele trabalha em outra banca, cerca de 350 metros adiante, quase em frente ao Centro Cultural Erico Verissimo. O atual formato, vigente desde o início dos anos 2000, é retangular e, em comparação com a antiga bolinha, conta com luxos como balcão interno, geladeira e ar-condicionado. O nome, no entanto, denuncia sua origem. Ainda se chama Banca Esfera.

*Pesquisa de Letícia Coimbra