Ali ninguém vai julgar se você encher o prato de ketchup e maionese, inventar meta de fatias a devorar ou abrir o botão da calça depois de estufar a barriga. Em meio ao advento de pizzarias napolitanas, a Xuvisko e seu rodízio raiz são sobreviventes na Avenida Cristóvão Colombo, que era considerada a rua da pizza em Porto Alegre na década de 1990.
Grafada assim mesmo, com "X" e "K", conforme o apelido do primeiro proprietário, o estabelecimento de quase meio século (são 49 anos de tradição) reivindica a autoria do sistema de rodízio no Rio Grande do Sul. Começou a servir quantas fatias o cliente aguentasse comer ainda antes da Chuca, rede que chegou a ter oito lojas espalhadas pela Capital. O sócio-proprietário Antônio Fernandes, 50 anos, relata que a ideia dos primeiros donos (uma dupla de paulistas) foi inspirada no espeto corrido — antes, no local, havia uma churrascaria.
— Deu certo porque o gaúcho tem isso da fartura no buffet, no café colonial, no espeto corrido. Isso vem de geração para geração —opina.
O cheiro de orégano, os garçons de gravata-borboleta desfilando apressados e a massa fininha da pizza são algumas das características do tradicional rodízio que não desapareceram. Essa última é um oferecimento de um funcionário que está na casa desde 1977. João Carrion, 66 anos, é um pizzaiolo old school: dispensa a batedeira para fazer a massa e, depois, ainda dá a forma ao alimento usando apenas o rolo. Faz cerca de 120 massas em dias da semana, 200 aos sábados.
Antônio justifica que é a partir daí que a espessura das massas sai diferente: as primeiras, quando seu João ainda está com muito fôlego, são as mais fininhas.
— Quando o Grêmio perde, então, é uma tristeza — emenda o dono e amigo, caindo na gargalhada.
A placa na entrada da Xuvisko garante à freguesia cerca de 40 sabores a R$ 35,90, todos os dias, a partir das 18h30min. Inclui as tradicionalíssimas (calabresa, quatro queijos, marguerita), algumas que italiano algum abençoaria, mas são permitidas em solo gaúcho (como Doritos e bacon, frango com molho barbecue) e uma que é a especial da casa, levando pasta de amendoim, banana e mussarela. A Elvis Pizza é uma releitura do sanduíche que o ícone do rock comia desde a infância, explica Antônio, grande fã.
Essa é uma marca que ele deixou na pizzaria nos últimos anos: a temática de rock. Assim que assumiu a administração, trocou as mesas de churrascaria e as cadeiras laranjas, pintou o teto (era verde piscina) e passou a imprimir um pouco do seu estilo à casa. Há referências a Beatles, Beach Boys, Jimi Hendrix, Ray Charles, Bob Dylan, Foo Fighters pelos jogos americanos das mesas e quadros nas paredes. Para o Rei do Rock, há um pequeno altar, inclusive: um armário com capas de discos, trancado com cadeado.
O terceiro dono da pizzaria, em 1987, era o irmão de Antônio, de quem você provavelmente deve lembrar com um bigode saliente e uma réplica de troféu nas mãos. Antes de tornar-se o Gaúcho da Copa, torcedor símbolo da torcida pela Seleção Brasileira em mundiais, Clóvis Fernandes esteve à frente da Xuvisko. Ele faleceu em 2015.
— Era comerciante da velha guarda, só faltava lápis atrás da orelha — lembra o irmão.
Sócio-proprietário há 12 anos, Antônio considera a Xuvisko uma sobrevivente. Conta que nada favoreceu seu negócio: o fast food se multiplicou, o delivery avançou, houve uma descentralização das pizzarias — quase todo bairro tem uma ou várias.
As pizzarias da Cristóvão — havia cerca de 10 ao redor da Xuvisko 30 anos atrás — fizeram guerra de preços, acabaram perdendo em qualidade e desapareceram, analisa Antônio.
Ele acredita que o segredo da Xuvisko foi se ater ao tradicional — orgulha-se de não ter se gourmetizado. Isso parece agradar uma freguesia heterogênea que ocupa boa parte das 150 cadeiras da casa, mesmo durante a semana e dias de chuva. Entre os famosos, já passaram por lá desde o ator do Seu Barriga (Édgar Vivar), do seriado Chaves, à digital influencer Kéfera.
Andrisa e Paulo Silveira, 39 e 43 anos, deslocam-se da Zona Sul até a Cristóvão, quase na Zona Norte, porque afirmam que se trata da melhor pizza da cidade. Fazem isso desde que Guilherme estava na barriga. Hoje, o filho tem 9 anos. E faz questão de dar sua opinião para a reportagem:
— Aqui é quentinho. É rock'n roll. É delicioso.