Com três lojas abertas em Porto Alegre, outras duas em Gramado e Canoas e prestes a expandir para pelo menos outras duas cidades, João Miragem relembra o início das operações da Ciao Pizzeria Napoletana, na Rua Anita Garibaldi, no bairro Mont'Serrat, em 2016. Os primeiros meses foram quentes, e não era por causa do forno a lenha:
— Cara, sem mentira. A gente era literalmente xingado por alguns clientes. Como assim uma pizzaria que são 20h e não vende mais pizza? As pessoas ficavam furiosas.
Nesse caso, Miragem, o sócio Gabriel Rossi ou os funcionários explicavam calmamente. A pizza napolitana é feita com uma massa fresca com farinha italiana e fermentação longa de 24 horas. Exceder o limite de 120 unidades, portanto, ou geraria desperdício de comida (e de um ingrediente caro e delicado) ou comprometeria a qualidade do produto. Depois de vender a quantidade máxima por dia, a Ciao se via obrigada a cerrar as portas e convidar a clientela a retornar no dia seguinte.
Alguns clientes aceitavam a explicação. Outros saíam pisando firme, acreditando estar sendo feitos de bobos ou vítimas de uma estratégia de marketing. Passada a curiosidade inicial, a cena de clientes desapontados com a cara na porta hoje é um bocado mais rara. Um dos motivos é que, para os mais famintos, há pelo menos outras sete pizzarias com o modelo semelhante espalhadas pela Capital. Enquanto comemoram o sucesso das operações, os proprietários de algumas delas se perguntam e arriscam palpites sobre os porquês de as napolitanas terem, em curto espaço de tempo, caído no gosto dos porto-alegrenses.
— Uma das lições da nossa experiência é que é preciso arriscar. Já trabalhei com pesquisas e, por ironia, se eu fosse fazer uma com os porto-alegrenses sobre o que eles considerariam a pizza ideal, tenho certeza que não seria a Ciao. Não responderiam que desejavam uma pizza com poucos ingredientes, toda de um sabor só, por exemplo. Isso causaria estranheza — avalia Miragem.
Verdade. E, na terra da pizza de coração de frango com bordas de catupiry, vale lembrar o que faz uma pizza fazer jus ao selo de napolitana. A massa é leve e úmida, superdelicada. O molho é de tomates San Marzano, por aqui conhecidos como "tomate-ameixa". Feitas em forno a lenha, as pizzas são individuais e levam no máximo três ou quatro ingredientes. O queijo, se houver, deve ser a muçarela de búfala. Dependendo da temperatura do forno à lenha, fica pronta em poucos minutos.
Em um dos episódios do seriado de gastronomia Ugly Delicious, disponível na Netflix, o presidente da Associação da Verdadeira Pizza Napolitana vai além e dá dicas para averiguar a qualidade da pizza: abrir a borda e observar se a textura da massa está com a textura alveolar. Depois, sentir o cheiro. A fragrância deve ser de pão fresco, sem cheiro forte de fermento. Se o cheiro for azedo, não é boa. Deve ser comida dobrada e, na primeira mordida, derreter na boca.
Perguntado se as porto-alegrenses fazem jus às originais, o jornalista com passagem pelo caderno Destemperados Aluísio Pinheiro, que passou por Nápoles em 2013 e hoje mora em Lisboa, surpreende:
— É melhor do que a italiana. A principal diferença é que, na Itália, a estrela é a massa. A cobertura é quase um acompanhamento. Em algumas, mal jogam queijo por cima. No Brasil, isso seria um absurdo. Creio que na Itália é mais barato também. Fora da zona turística, custam no máximo 5 euros (R$ 22).
Desperdício zero e serviço "enxuto"
"Preço justo" foi um dos fatores mais citados pelos proprietários das napolitanas de Porto Alegre para explicar o sucesso na cidade. Oferecer um produto com ingredientes premium — boa parte deles importados e, portanto, sujeito a mudanças cambiais — vendido por um preço acessível. Para essa conta fechar, as napolitanas trabalham com desperdício zero (daí o número limitado de pizzas ao dia) e costumam dispensar estacionamento, garçons e pratos e talheres. Há outros benefícios nesta política:
Ninguém se sente constrangido de aparecer de chinelos ou trazendo o cachorro de estimação.
MARIANO SCORPANITI
Empresário
— Primeiro, se cria um conceito despojado. Ninguém se sente constrangido de aparecer de chinelos ou trazendo o cachorro de estimação. E, ao oferecer um ótimo produto a um preço honesto, que no nosso caso varia entre R$ 19 e R$ 29, a pizzaria também se torna democrática, atrai todo tipo de público — observa o empresário argentino Mariano Scorpaniti, que abriu em Porto Alegre a Santi Pizzeria Napoletana na Praça Maurício Cardoso, no bairro Moinhos de Vento.
Responsável pela Balcone Pizza Napolitana, no bairro Menino Deus, Djeisson Gomes faz coro. E acrescenta:
— Talvez porque muitas pessoas já viajaram e observaram esse modelo no Exterior, os porto-alegrenses compraram a ideia de focar no produto em vez de outros benefícios. Nem todo restaurante precisa ter estacionamento ou varar a madrugada, por exemplo. Há espaço para locais pequenos com uma clientela bacana, despojada, que circula por determinado bairro.
Apesar de se assemelhem em uma série de características, conforme a oferta de estabelecimentos crescem, alguns deles buscam se diferenciar ao menos nos detalhes. Scorpaniti, da Santi, reforça que busca insumos perecíveis como as folhas de rúcula e manjericão, de produtores locais e, conforme o dia, vende outras massas como pães e cannolis (uma sobremesa de massa frita recheada). Já a Brizza Forneria, no bairro Independência, aposta em misturar o modo de assar napolitano com sabores locais.
— Embora a gente reconheça a inspiração, pode observar que a gente não se apresenta como napolitana no nome. Tampouco temos o cardápio em italiano. O foco é no forno. Nosso lema é traduzir a tradição. Daí experiências como pizzas com mel picante, com couve... — relata Bruno Laupert, que, junto com o sócio Thomaz Lodi Coletti, comemora a recente expansão para um sala maior e planeja se aventurar servindo almoço nas cercanias da Rua 24 de Outubro.
"Pizza napolitana é uma experiência leve"
Com diferenciais aqui e ali, os empreendedores das napolitanas concordam em um ponto. Na importância dos restaurantes em conservarem uma proximidade dos clientes. Serem pequenos ambientes aconchegantes em que você pode "dar uma passada", puxar um papo com o pizzaiolo, ser chamado pelo nome, beliscar uma massa, levar uma pizza para casa debaixo do braço porque sim. Miguel Ninov, que abriu a Squisito Pizzeria, na Cidade Baixa, deseja acreditar que as napolitanas caíram no gosto do público de Porto Alegre justamente por oferecer uma experiência que não foca no perfil glutão do gaúcho tradicional:
— A última coisa que quero é que alguém entre no restaurante pensando "hoje vou enfiar o pé na jaca". A pizza napolitana, da massa ao relacionamento com o cliente, é uma experiência leve. Meu objetivo é as pessoas saírem daqui bem alimentadas, com um sorriso no rosto e sem peso na consciência.