Com a chegada de empreendimentos fechados no Vale dos Vinhedos, os chamados condomínios vitivinícolas, a discussão sobre a necessidade de preservar as características da região ganha maior relevância entre poder público, produtores rurais e estudiosos. No entanto, há discordância sobre o que exatamente deve ser preservado. Única região de vinhos do país com Denominação de Origem (DO) e patrimônio histórico e cultural do Rio Grande do Sul, o Vale dos Vinhedos, composto por Bento Gonçalves, Garibaldi e Monte Belo do Sul, tem o desafio de manter sua originalidade. Atualmente, a legislação de uso do solo não dá conta de proteger a totalidade do patrimônio.
– Na realidade, estão usando outros nomes que não condomínios. O que acontece é que o pessoal associado a um vinhedo compra uma cota e tem direito a construir uma casa no local – alerta Susana Gastal, professora de pós-graduação em Turismo e Hospitalidade da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
O arquiteto Pedro de Alcântara Bittencourt César, professor da UCS e doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), explica que a legislação dá espaço a este perfil de empreendimento:
– Com as brechas na lei, os condomínios começaram a transformar a uva em valor condominial. A pessoa divide em lotes, mantém um parreiral do condomínio e faz o parcelamento do solo. Via de regra, o antigo morador continua com a propriedade, mas o parreiral é vendido para um incorporador. Não é a paisagem mais constante, mas é uma tendência.
Para Deborah Villas-Bôas Dadalt, diretora de infraestrutura da Associação dos Produtores de Vinhos Finos do Vale dos Vinhedos (Aprovale) e diretora do Spa do Vinho, esse tipo de empreendimento viabilizará o desenvolvimento sustentável da região.
– É um modelo vitorioso na Argentina e no Chile. A área que pertencia a um único viticultor é dividida entre várias pessoas, profissionais liberais, por exemplo, que querem produzir seu próprio vinho, cotizam, contratam o produtor e se constituem dezenas de vinícolas. A Aprovale propôs. Vai recuar a especulação imobiliária e é a melhor forma de fixar o homem no campo – defende.
De acordo com Deborah, o modelo divide as propriedades em 40% da área para moradia e 60% para parreirais e estrutura para produção de sucos e vinhos.
Economia multivariada
Conforme Ivanira Falcade, pesquisadora que mapeou a zona de DO em projeto coordenado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Uva e Vinho, há espaços ocupados por outras construções e atividades econômicas além dos vinhedos.
– Há uma dinâmica territorial intensa, cada vez mais rápida e com mais atores envolvidos. Se pensarmos no que o Vale gerou, com economia multivariada, descaracterizar é mais ou menos matar a galinha dos ovos de ouro – destaca Ivanira, doutora em Geografia e professora do mestrado em Biotecnologia e Gestão Vitivinícola da UCS.
A confusão começa na própria definição de paisagem, explica a professora Susana:
– No conceito geográfico, a paisagem é a mistura do natural e do cultural. Os vinhedos não são naturais, são uma inserção, trazem junto um modo de vida.
Primeiro empreendimento em fase de implantação
O Spa do Vinho passou por remodelações para se aproximar do modelo de condomínio vitivinícola e o Terroir Plaza Residence é o primeiro empreendimento pensado com essa proposta. Maurênio Stortti, desenvolvedor e sócio do projeto, explica que se inspirou na experiência de Mendoza, na Argentina:
– A gente pesquisou, isso é uma tendência nos grandes centros vitivinícolas do mundo.
O condomínio, que ocupa cerca de 30 hectares em Garibaldi, conta com parreiral e traçado das vias. A construção está em fase de licenciamento.
– Esse tipo de empreendimento tem clara a proposta de que está em área de produção de uva. Naqueles espaços entre um vinhedo e outro, podem ser criados pequenos projetos como esse (condomínio).
É fundamental a preservação da área plantada, porque isso é o charme do negócio. Pelo contrário, nós produzimos lá quatro hectares de uva que não tinham antes, já está na terceira colheita – defende Stortti.
Proteção do Vale
Bento Gonçalves
O plano diretor busca preservar as características do Vale reservando a ocupação para atividades predominantemente ligadas à vitivinicultura e delimitando a altura e densidade das construções.
– O Hotel Villa Michelon é um empreendimento grande, mas as construções são baixas e espaçadas. Já o SPA do Vinho, se fosse construído com as normas atuais, estaria fora do padrão por ser muito alto – exemplifica Melissa Bortoletti Gauer, diretora adjunta do Instituto de Planejamento Urbano (Ipurb).
A prefeitura elaborou, em parceria com a UFRGS, estudo para a revisão do plano diretor que expande a área de proteção do Vale, justamente para evitar a descaracterização. O projeto será discutido neste ano na Câmara.
Garibaldi
Em nota, a prefeitura informa que o plano diretor de 2008 reconhece o Vale dos Vinhedos como zona rural. Há restrições para a densidade de ocupação e são incentivadas atividades de turismo e similares. Antes de 2008, porém, alguns condomínios foram aprovados.
Monte Belo do Sul
Não há restrição específica de ocupação na área do Vale, segundo informa a secretária de Administração e Fazenda do município, Viviane Ceriotti. O território é regulado conforme leis gerais de preservação ambiental e zoneamento urbano e rural.