Nos anos 1970 e 1980, o slogan de uma loja de Porto Alegre marcou gerações de jovens: "Saco & Cuecão, Moinhos, Salgado e Malcon", em uma referência aos três endereços mais conhecidos do magazine na Capital.
Passados quase 50 anos desde que abriu as portas e mobilizou uma juventude em busca de um estilo próprio de se vestir e se expressar, a Saco & Cuecão vai voltar à ativa.
Inicialmente, ainda antes do Natal deste ano, a marca deverá ressuscitar como loja virtual para venda de calças, camisas e acessórios. Em um segundo momento, o empresário Fernando Ritter, gaúcho de 50 anos radicado em Santa Catarina, pretende abrir um quiosque em um shopping de Porto Alegre para testar o mercado. Se as lembranças se converterem em apelo comercial, o plano é investir em uma nova loja à semelhança das antigas. Até um antigo letreiro foi recuperado e deverá ser restaurado.
— É incrível o apelo que a marca Saco & Cuecão tem até hoje. Ao criar um perfil no Facebook, em poucos dias já tinha 2,5 mil curtidas. Recebo mensagens de gente perguntando se é possível comprar artigos — conta Ritter, ex-genro de um integrante da família Sehbe, antiga proprietária da Saco, de quem adquiriu a marca no ano 2000.
O relançamento revive uma história que começou cinco décadas atrás, quando o empresário gaúcho Silvio Sibemberg voltou de uma viagem ao Rio impressionado pela existência de uma loja voltada especificamente para o público de até 20 e poucos anos. Em Porto Alegre, os filhos compravam nas mesmas lojas que os pais.
— Abri a primeira loja especializada em calças para jovens em uma galeria no Moinhos de Vento, em 1970, na Ramiro Barcelos com a Independência — recorda Sibemberg, hoje com 70 anos.
Como havia feito bastante frio naquele inverno, e muitas pessoas vinham usando ceroulas, ou "cuecões", o irmão, Gilberto, sugeriu dar o irreverente nome de Cuecão ao novo negócio. A descontração iria além do batismo. A estratégia de comunicação era baseada nos limites à censura do regime militar de então.
Em uma montagem da peça Hair em Porto Alegre, em um momento em que os atores tiravam a roupa no palco, o ator paulista Altair Lima reproduziu de improviso uma frase ouvida em uma rádio da Capital: "Cuecão, a calça que não aperta os teus documentos". O público veio abaixo em risadas ao reconhecer uma das criações da agência de publicidade Letra 3, que tinha como criador o escritor e publicitário Luiz Coronel.
— Quando chegavam produtos novos, o pessoal fazia fila na rua para comprar — recorda Sibemberg.
Ao testemunhar o sucesso da iniciativa, um amigo do empresário resolveu abrir outra loja destinada a camisas. O nome escolhido, mantendo a irreverência, foi Saco. O passo seguinte foi unir esforços e juntar os dois negócios. Assim, em 1972, nascia a Saco & Cuecão. Para marcar o evento, um anúncio publicado nos jornais gerou polêmica.
— O texto dizia: "Igualdade para as mulheres: Saco também para elas". O Breno Caldas, dono do Correio do Povo, ficou indignado — diverte-se Plinio Monte da Rocha, outro ex-integrante da Letra 3.
Essa história, agora, deverá ganhar um novo capítulo.
Rede se expandiu, mas acabou fechando
O empresário Silvio Sibemberg permaneceu na sociedade da Saco & Cuecão até 1975, quando o Grupo Alfred adquiriu o empreendimento. O empresário trabalhou por um período na Ellus, em São Paulo, e ao retornar fundou a não menos célebre loja Gang (depois adquirida pela Pompeia).
A Saco & Cuecão seguiu patrocinando eventos culturais e esportivos, mantendo a tradição de buscar identificação com seu público, e o estilo irreverente.
— O slogan nessa época era "viver é uma grande emoção". Foi um momento mágico para a propaganda gaúcha porque vínhamos de um período de censura. A gente fazia outdoor e colocava a palavra "tesão" — recorda o empresário e publicitário Samir Salimen, que atendia a rede gaúcha pela agência Publivar.
A loja abriu mais de uma dezena de filiais em cidades como Caxias e Canoas, incluindo uma unidade em Florianópolis (SC). O ex-deputado estadual e atual diretor do Badesul, Kalil Sehbe, da família que manteve a Alfred e a Saco & Cuecão, recorda que a concorrência com artigos importados e os altos custos acabaram determinando o fim da marca na virada dos anos 1980 para os 1990. Mas, conforme Luiz Coronel, ficou um legado:
— A Saco & Cuecão marcou um ciclo, a busca por uma linguagem jovem que havia na época. O ser humano é assim, se reprime, guarda frustrações, e daqui a pouco explode, se liberta. Naquele momento, o mundo pedia humor. Não há império que resista a uma gargalhada.
O empresário Fernando Ritter, responsável pelo retorno da loja, pretende retomar o estilo da velha Saco & Cuecão — incluindo os jingles que marcaram época no rádio.