Fui dar uma caminhada e vi um passarinho. Um filhote de passarinho, na verdade. Ele estava na calçada, encostado em um muro e batia as asas em desespero. Parei. Supus que tivesse caído de algum ninho pendurado no galho de uma árvore das proximidades. Olhei para as copas das árvores, procurando pelo ninho, mas não enxerguei nenhum. Devia estar escondido entre as folhas.
O passarinho continuava se debatendo. Não era muito pequeno, mas talvez ainda não tivesse treinado o suficiente para voar. E agora? Se o deixasse ali, na pedra dura, certamente morreria. Poderia se arrastar até o leito da rua e ser atropelado por um carro ou um guri poderia chutá-lo, sabe-se lá, tem muita gente má no mundo.
Decidi que iria colocá-lo em um lugar mais apropriado para um passarinho caído. Cerquei-o. Ele estava assustado, mas não tinha forças para piar alto, fazia apenas “iii”. Depois de algum tempo em que ele tentou me driblar, agachei-me e o tomei entre as mãos. Ele, apavorado: “iii”. Examinei o entorno. Identifiquei, atrás de uma grade, um bom pedaço de grama. Ali ele ficaria mais seguro. Quem sabe descansasse o suficiente para tomar coragem e sair voando, ou os pais viriam em seu socorro. Sim, aquele era o local apropriado para o pobre bichinho. Larguei-o, então, com todo o cuidado, e segui meu rumo.
Enquanto caminhava, imaginei que a mãe do passarinho provavelmente tivesse observado toda a ação. Decerto ficou com medo que machucasse seu filhote, ficou aflita, mas, depois, quando viu que não queria fazer-lhe mal, ao contrário, queria salvá-lo, quando viu isso ela deve ter pensando: “Eis um bom ser humano!”
Essa ideia me tocou. Senti-me orgulhoso de minha bondade. Pisei mais firme, inflei o peito. Não duvido que alguém, de alguma janela, estivesse filmando com seu celular o salvamento do passarinho. O vídeo iria para as redes e viralizaria: “Jornalista interrompe sua caminhada para ajudar filhote de passarinho em apuros”.
Quando as pessoas viessem me perguntar a respeito, seria modesto: “Fiz apenas a minha obrigação”. E acrescentaria alguma observação filosófica, algo que fizesse pensar, tipo: “Todos os seres vivos merecem respeito”. Algo assim.
Enquanto avançava, ocorreu-me que seria bonito contar às pessoas sobre os passarinhos que tive. Porque houve uma evolução, na minha relação com os passarinhos. Quando eu era guri, capturava-os com uma arapuca que meu avô me ensinou: equilibrava uma caixa de sapatos em uma forquilha e espalhava farelos de pão com leite e açúcar debaixo dela. O pé da forquilha estava amarrado com um barbante. Na outra ponta do barbante, a uns quatro metros de distância, eu aguardava. Quando o passarinho entrava sob a caixa para comer o pão, eu, ZUP!, puxava o barbante e o prendia.
Mantive muitos passarinhos em cativeiro, na infância: pintassilgos, canarinhos, caturritas. Tive um periquito que passei a chamar de Papillon, porque ele fugia sempre. Mas, como voltava à gaiola para comer, deixei-o livre pela casa.
Mais tarde, já adulto, comecei a sentir pena dos bichinhos na gaiola, e hoje sou contra isso de prendê-los. Os passarinhos têm de estar livres, no céu. É o que penso. Já estava voltando da caminhada quando fiz essa consideração para mim mesmo. Achei-a muito elevada, muito altruísta, uma manifestação em favor da liberdade. Certamente seria aplaudido pelos defensores dos animais, quando a pronunciasse de público.
A essa altura, cheguei ao ponto em que havia deixado o passarinho. Parei. Procurei-o, na esperança de encontrá-lo mais animado e certamente agradecido. E lá estava, exatamente no lugar em que o largara: um gato! Um gato cinzento, gordo, com aparência saciada. Arregalei os olhos. Corri alguns metros para um lado e para o outro, em busca do passarinho. Nada. Apenas o gato, o maldito gato, me olhava placidamente e, por um momento, achei que arrotasse. Saí dali o mais rápido que pude. Ainda estremeço só de imaginar o que estará pensando de mim a mãe do passarinho.