Já tive passarinho em gaiola. Canarinhos. Caturritas. Pintassilgos. Meu avô tinha um pintassilgo que durou mais de 20 anos, por Deus. Nem sabia que passarinho vivia tanto. O bichinho vinha comer na mão dele, coisa mais linda. Uma vez, a minha avó estava fazendo algum tipo de tratamento de beleza para a pele e botou umas rodelas de pepino no rosto. Estava lá, com aquelas rodelas de pepino grudadas do pescoço à testa, quando se lembrou que tinha de alimentar o pintassilgo. Pegou o alpiste, foi até a gaiola e abaixou-se para abrir a portinhola. Quando ficou com a cara bem na frente do bico do passarinho, ele olhou para ela e caiu duro do poleiro. Desmaiou de susto!
Hoje, não teria mais passarinhos em gaiola. Não é justo prendê-los apenas para a nossa satisfação.
Passarinhos são sensíveis. Alguns, se vivem em casal e um dos dois morre, o outro morre também, de tristeza. E tem algo assustador a respeito deles: se você der carne para um passarinho comer, ele se vicia e acaba devorando os próprios pés, tamanha sua ânsia carnívora. Nunca vi isso acontecer, mas era o que me diziam.
Um dos passarinhos que tive, um periquito, chamava-o de Papillon, porque ele fugia da gaiola quando bem entendia. Papillon, ou “borboleta”, em francês, é o título de um livro escrito por Henri Charrière, que conta sua terrível história: ele foi preso injustamente e deportado para a Ilha do Diabo, de onde conseguiu escapar.
O meu Papillon escapava todos os dias, por isso ganhou esse nome. Como conseguia esgueirar-se para fora da gaiola? Não faço ideia. Revisei todas as barras de arame, estava tudo em ordem. Acho que o serelepe encontrou um jeito de abrir a portinha. Saía tanto da gaiola, o Papillon, que me acostumei. Deixava-o solto. Ele às vezes sumia por horas, escondia-se no fundo dos sofás ou em algum canto esconso da casa, mas voltava quando sentia fome. Papillon se comportava como o bom marido: comia e dormia na gaiola.
Um dia, porém, esqueci a janela de casa aberta. Suponho que Papillon tenha olhado para a imensidão do céu azul e não resistiu: jogou-se para a liberdade sem limites.
Fiquei triste por perdê-lo, mas respeitei-o pela bravura e pela independência. Papillon preferiu viver completamente livre, ainda que não totalmente seguro. É um resumo do drama da civilização: quanto mais segurança, menos liberdade; quanto mais liberdade, menos segurança.
Foi a fuga de Papillon que me fez questionar isso de manter passarinhos em gaiolas. Porque não houve alpiste, não houve pedaço de banana, não houve pote de água, não houve conforto que o fizesse querer ficar. É claro que eles preferem voar por aí a viver confinados. Você não preferiria, se tivesse asas?
Hoje, portanto, não teria mais passarinhos em gaiola. Não é justo prendê-los apenas para a nossa satisfação, para que possamos contemplá-los quando quisermos. O que me leva a cogitar: jardim zoológico é uma coisa boa? Digo isso a propósito do Zoológico de Sapucaia, que será repassado à iniciativa privada por concessão. É um zoo grande, dos maiores que já visitei, e muito bonito. Mas é certo manter os bichos presos? Minha pergunta não é retórica, é uma dúvida que tenho. Minha sensibilidade diz que os animais não deveriam ser enjaulados para o nosso deleite, mas algum especialista pode argumentar e me convencer do contrário. Se isso não acontecer, se ninguém me der um argumento consistente em favor dos zoológicos, voto pela liberdade irrestrita dos bichos. Em memória do velho e esperto periquito Papillon.