A câmara de Bragança Paulista fazia uma grave sessão virtual, cada vereador no quadradinho do seu vídeo, quando ocorreu algo pouco comum no mundo legislativo. Na primeira janela, no alto, bem à esquerda, o vereador Ditinho do Asilo, do PSC, virou-se para o lado e tomou nas mãos um objeto: era uma calcinha de mulher. Uma calcinha vermelha, pequena, de rendinha. Uma calcinha sensual, pode-se dizer. O vereador, que tem bigodes e cabelos brancos, pegou a calcinha pelas alças, esticou-a e ficou analisando-a. Olhou-a por alguns segundos, absorto, era visível que não pensava em mais nada. Seu mundo, naquele momento, era a calcinha. Depois, ele a virou de um lado, de outro e, finalmente, levou-a ao nariz e cheirou-lhe profundamente os fundilhos. O vídeo da sessão, obviamente, se notabilizou como nenhum outro de uma sessão em Bragança Paulista. Lembrei de uma história que escrevi há muitos anos. O título era, exatamente, “O Cheirador de Calcinhas”. Aí vai:
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Lá estavam aquelas duas calcinhas minúsculas e rendadinhas, penduradas inocentemente no box do banheiro dela. Meu amigo sentiu um frêmito de desejo a lhe percorrer o corpo como uma lagartixa bêbada. Pensou: “Vou roubar essas calcinhas”.
Esse meu amigo, ele é um homem muito conhecido em Porto Alegre, e é casado. Logo, não posso revelar seu nome. A dona das calcinhas, claro, não era a mulher dele – ninguém rouba calcinhas da própria mulher, embora um célebre comentarista esportivo do passado, hoje residente em Santa Catarina, levasse junto as roupas íntimas da esposa com ele, quando em viagem. No solitário leito do quarto de hotel, o comentarista sorvia com arrebatamento o odor dos baby-dolls e das calcinhas de sua cônjuge distante. Um gesto de comovente devoção matrimonial, sim, mas que servia de divertimento para os insensíveis colegas da rádio.
Ah, e houve também o caso de um importante repórter de jornal que foi flagrado a cafungar as lingeries de uma colega de sucursal de praia – sem que a colega estivesse dentro delas, é evidente.
Mas o meu amigo. Ele estava com a mulher, na casa de uma amiga da mulher. Pediu licença para ir ao banheiro. Foi. Então deparou com as pequenas peças balouçantes feitas de renda delicada e suave tecido de algodão. Imaginou a bela amiga da mulher inserida numa daquelas sumárias calcinhas, sua nudez loira malcontida pelo pano macio, e estremeceu. Tomou uma delas. De tão diminuta, a calcinha sumiu em seu punho fechado. Meu amigo sentiu-lhe a meiga textura na palma da mão, apertou-a, afofou-a, esticou-a e, por fim, levou-a ao rosto. Aspirou com a boca e o nariz o perfume sutil da calcinha da amiga da mulher, como se ela tivesse sido embebida por lança-perfume, gemeu baixinho e, trêmulo e ofegante, enfiou-a no bolso. Repetiu a operação com a segunda calcinha. Meteu-a no outro bolso.
Roubá-las-ia, sim!, para sorvê-las em casa, descansado.
Meu amigo suava. Mirou-se no espelho. Viu seu rosto rubicundo, seus olhos injetados, as veias azuis das têmporas pulsando. O que havia acontecido? No que se transformara? No monstro das calcinhas? Raciocinou, afinal. A amiga daria pela falta das calcinhas. Somaria dois mais dois. Compreenderia ter sido ele o autor do furto. Talvez até o denunciasse a sua mulher. Não! Ele não podia fazer aquilo.
Nervoso, meu amigo sacou as calcinhas dos bolsos. Pendurou-as de novo no box. Suspirou. Virou-se para sair do banheiro. Levou a mão à maçaneta. Parou. Girou o pescoço a fim de dar uma última olhadela. Lá estavam. Tão pequetitinhas… Suspirou outra vez. Por que não dar uma nova cheiradinha? Correu até o box, ansioso. Pegou uma das calcinhas. A menor delas. Esfregou-a no rosto, sofregamente, pungentemente. Fungou, fungou, fungou. Pensou. Disse para sua própria bragueta: “Quer saber de uma coisa?” E a enfiou no bolso. Saiu do banheiro pisando firme. Tinha se convencido: “De uma só ela não vai sentir falta”. Mas ao chegar à sala a culpa já o oprimia. As mulheres, porém, sequer lhe deram atenção. Continuaram tagarelando, animadas, falando quase ao mesmo tempo.
Quando ele e a mulher foram embora, meu amigo ruborizou ao dar dois beijos efêmeros nas faces da amiga. No caminho de volta para casa, a mulher percebeu sua inquietação.
- Algum problema? – perguntou ela.
- Não, nada…
No dia seguinte, ele levou a calcinha para o trabalho. Trancou-a à chave numa gaveta pouco procurada. Sorriu da própria molecagem. Pensou com satisfação: “Vou cheirá-la todos os dias”.
Aí o telefone tocou.
Era ela.
A amiga.
A dona da calcinha roubada. Que falou, em voz sussurrante:
- Tu tens algo que me pertence.
Meu amigo ficou mudo. Paralisado. Não conseguiu responder. E nem precisou. Ela falou mais uma vez:
- Estou sem ela. E a quero de volta. Agora. Aqui.
Depois de quase sofrer um infarte e arrancar um pedaço da mesa a mordidas, meu amigo foi à casa dela, devolveu-lhe a calcinha e começou um caso ardente que já dura meses. Meses de felicidade tonitruante, é importante que se diga.