Uma ligação em 28 de dezembro de 2018 começou a mudar o rumo do Bragantino, que retorna à elite do futebol brasileiro depois de 22 anos. O presidente Marquinhos Chedid, ciente de que a gigante dos energéticos Red Bull procurava uma equipe já consolidada para investir e se firmar no cenário esportivo do país, telefonou para Thiago Scuro, executivo da empresa austríaca no Brasil, e ofereceu a parceria.
— Eles estavam conversando com outros dois clubes para tentar essa parceria, mas quando manifestei esse interesse, o Thiago Scuro ainda me perguntou se eu tinha certeza, que o Bragantino seria o ficha 1. Nos reunimos no dia 8 de janeiro, foi feita uma auditoria nas contas do clube, e em março estava tudo certo — conta Chedid.
Na primeira temporada da fusão, o sucesso já começou a ser visto com o título da Série B — o segundo na história de 91 anos do Bragantino — com sete pontos de vantagem sobre o segundo colocado, o Sport. Mas essa conquista, para quem vive o dia a dia do clube, foi somente a primeira do agora clube-empresa Red Bull Bragantino.
Um centro de treinamentos com oito campos está sendo construído próximo ao município, já que atualmente os treinos são realizados em Jarinu, distante quase 50 quilômetros. O Estádio Nabi Abi Chedid, com capacidade atual para menos de 15 mil pessoas, também passa por reformas e, em até dois anos, deverá ter espaço para 20 mil torcedores. A ideia da empresa de energéticos é transformá-lo em uma arena, aposentando as arquibancadas de madeira e o estilo de estádio do interior de um clube simpático, que encerrou a Série B com a quarta maior média de público da competição, com 6.207 pagantes por jogo, atrás apenas de Coritiba, Sport e Vitória.
— O entusiasmo do torcedor é de se destacar. É bacana ver a ansiedade, a expectativa. Mas é importante lembrar que o maior público nosso foi na primeira rodada, quando tínhamos zero ponto. Isso mostra o quanto a cidade e o torcedor foram importantes e que eles queriam fazer parte desse projeto — salienta Scuro.
De fato, a torcida comprou a ideia de que apenas a parceria com uma empresa do porte da Red Bull poderia salvar o Bragantino de uma queda iminente nos próximos anos. O próprio presidente Marquinhos Chedid já havia alertado que o clube "ou ficava pequeno, ou dava uma grande virada". E foi o que aconteceu.
O entusiasmo do torcedor é de se destacar. É bacana ver a ansiedade, a expectativa. Mas é importante lembrar que o maior público nosso foi na primeira rodada, quando tínhamos zero ponto."
THIAGO SCURO
Executivo da Red Bull
— A situação do Bragantino era muito difícil. Embora tivesse as contas em dia, não tinha poder de investimento. Quando procurei a Red Bull, eles tinham o Red Bull Brasil disputando uma Série D, não se classificando, fazendo investimento de R$ 33 milhões. O orçamento do Bragantino era de R$ 9 milhões por ano. Precisávamos dessa mudança — afirma Marquinhos Chedid, filho de Nabi, que dá nome ao estádio do clube, e sobrinho de Jesus, prefeito do município de Bragança Paulista.
As mudanças no nome, no escudo e uniforme da equipe foram encaradas de forma tranquila por boa parte dos torcedores. Em três dias que o repórter de GaúchaZH passou na cidade, não encontrou ninguém hostil à parceria — embora a torcida tenha que lidar com os cânticos de "time vendido", ou algo semelhante, por parte dos rivais.
— Acho que a visão de 95% dos torcedores é essa: o Bragantino seguirá sendo Bragantino. Vai surgiu um nome fantasia, por questão de marca. Com relação ao estádio, vou até levar um pedaço do poleiro que é de madeira, mas a modernização é necessária. Essa arquibancada de rodeio não dá mais, é até um pouco perigosa — alerta Eduardo Rezende, 53 anos, diretor de uma escola na região.
Ele entende que a mudança no símbolo do Braga, com o acréscimos dos touros da Red Bull, até mesmo ajudará o clube a ter uma identidade própria:
— O Bragantino já mudou nove vezes de escudo. Esse escudo não tem identidade. Uso camisa do Bragantino desde 1979 e desde aquela época as pessoas perguntam: "Você é santista?" E tenho que dizer para olhar direito, porque esse símbolo não tem identidade, parece muito com o do Santos. O novo escudo vai trazer uma verdadeira identidade ao Bragantino.
O sentimento é idêntico ao de Carlos Alberto Colombo, mais conhecido como Beto Leão, torcedor-símbolo do Bragantino. O representante comercial, que passa mais tempo no Estádio Nabi Abi Chedid do que na própria casa, compara a parceria com o Cometa Halley.
— O presidente (Marquinhos Chedid) foi meu colega de escola. Eu o parabenizei, porque uma oportunidade dessas é que nem o Cometa Halley, aparece uma vez a cada 100 anos. O Bragantino é um clube do interior, com muita história, mas é um time que não tem poder de fogo. Hoje, o futebol é muito caro. Então, essa parceria caiu do céu. Sou 100% a favor. No primeiro ano, já deu resultado. E vem mais coisa por aí — diz Beto Leão, entusiasmado.
— Nós temos a história, o Red Bull tem as asas. Então, vamos voar juntos. As coisas evoluem. Sou totalmente a favor do progresso. Acredito que as mudanças no escudo, na parte comercial, de marketing da coisa, vão acontecer. Mas o Bragantino estando bem, eu estou bem. Então, o que for melhor para o Bragantino, eu apoio — complementa o fanático torcedor.
Se o torcedor, em geral, gostou da novidade, para o município de Bragança Paulista, então, a união de um clube histórico com uma empresa gigante como a Red Bull é vista com ótimos olhos. O vice-prefeito Amauri Sodré relata que a rede hoteleira, o comércio, os postos de combustíveis, os bares e restaurantes foram surpreendidos pelo aumento na movimentação na cidade em dias de jogos. Ele espera que a parceria possa render ainda mais.
— A expectativa é bem grande. Já está pronto o projeto de uma arena aqui, que vai ser muito bom para a cidade. Mas que bom que a Red Bull acreditou em Bragança e possa investir ainda mais aqui no município. É um sonho, para nós, vermos uma arena maravilhosa aqui. Preciso agradecer à Red Bull, que veio a Bragança dar essa energia para o Bragantino — celebra o político.
As exigências do negócio
Para que a parceria avançasse, exigências foram feitas pelos dois lados. O presidente Marquinhos Chedid não abria mão de manter Bragantino no nome, o estádio como Nabi Abi Chedid e as cores branco e preto no uniforme. Já a Red Bull reivindicou detalhes como o nome da companhia junto ao do clube, mudança no escudo, um terceiro uniforme vermelho, além da gestão do futebol totalmente da empresa.
— Houve essas mudanças, cada um colocou as suas exigências, e deu tudo certo. Eles já tinham esse know-how, porque fizeram o mesmo com o Salzburg, na Áustria, com o Leipzig, na Alemanha, e também em Nova York — destaca Marquinhos Chedid.
As intervenções no estádio, a construção de um novo centro de treinamentos, além de questões de comissão técnica, elenco, categorias de base e futebol feminino também ficam todas a cargo da gigante dos energéticos. Ou seja, na prática, o Bragantino entra com o nome, com a torcida e com sua tradição, e a Red Bull passa a ser a gestora de tudo o que ocorre no clube.
Exemplos positivos da parceria
Que a Red Bull é sucesso na venda de energéticos, todo mundo sabe. Mas a empresa tem também quatro clubes de futebol espalhados pelo mundo — um deles, o Bragantino. Hoje, o de maior sucesso fica em Leipzig, na Alemanha. Como a federação alemã de futebol não permite que uma empresa dê nome a um time no país, ele chama-se apenas RB Leipzig.
Criada em 2009, a equipe já alcançou resultados expressivos, como os acessos até a Bundesliga (Primeira Divisão do país), a chegada até as quartas de final da Liga Europa 2017/2018 e o vice-campeonato da Copa da Alemanha na temporada 2018/2019. Além disso, é o atual líder do Campeonato Alemão e está nas oitavas de final da Liga dos Campeões neste ano, tendo o Tottenham como adversário.
Além dele, o Red Bull Salzburg, da Áustria, é o atual hexacampeão nacional de forma consecutiva. Desde que a parceria foi firmada, em 2005, foram 10 títulos do Campeonato Austríaco, assim como seis taças da Copa da Áustria.
Há, ainda, o New York Red Bulls, dos Estados Unidos, comprado pela multinacional austríaca em 2006. Os resultados, até agora, não foram tão expressivos, mas atletas de renome internacional, como o francês Thierry Henry e o mexicano Rafael Márquez, ambos ex-Barcelona, jogaram lá.
— Todo esse investimento da Red Bull é importante, não só pelos reforços que chegam, mas porque eles se preocupam com a estrutura. Não é à toa que o Leipzig vem fazendo campanhas de segundo colocado, zona de Champions League. Isso serve de espelho. O Salzburg também vem lutando no cenário europeu e dentro do seu país já é bem mais consolidado. Tivemos a oportunidade de ir lá no CT, treinar lá, vemos a estrutura que eles têm, e vemos que é o que vão procurar fazer aqui também — afirma o zagueiro Léo Ortiz, ex-Inter.
Mas e você sabia que a empresa também investe — e muito — em outros esportes? A companhia austríaca tem duas equipes de Fórmula-1. A Red Bull Racing (RBR), que venceu o campeonato nos anos de 2010, 2011, 2012 e 2013, com o piloto alemão Sebastian Vettel, e a Toro Rosso — tradução italiana de Red Bull. Também tem equipe na Stock Car, no Brasil, no segmento de automobilismo.
Em outros países, como Áustria e Alemanha, tem times de hóquei no gelo. Além disso, patrocina uma infinidade de campeonatos de esportes radicais, além de esportes eletrônicos.