O que devo fazer para o morrinho do mate não desandar?
Sei que, neste exato momento, estou me tornando motivo de chacota para meus conterrâneos. Estão debochando de mim, rindo com escárnio e repetindo com desprezo: “O morrinho dele desanda!” Precisamente por tal motivo, hesitei muito em compartilhar com o mundo exterior essa minha fraqueza. Mas chegou o desesperador momento em que não pude mais suportar mates lavados, então, tenho de pedir socorro e perguntar outra vez: o que devo fazer para o morrinho do mate não desandar?
Em minha defesa, há que se ressaltar que nem sempre foi assim. Faço mates a vida toda e meus morrinhos nunca desabavam. Ficavam orgulhosamente rijos e retos, como a moral da freira noviça. Uma época cheguei a usar pires para emparelhá-los, mas alguém me censurou por isso, disse-me que gaúcho que é gaúcho emparelha a erva com a palma da mão nua. Com o que, para me manter dentro dos limites estritos da tradição, deixei os pires para acomodar xícaras de café.
Mesmo assim, meus morrinhos permaneciam íntegros. Claro, volta e meia ocorria algum deslizamento, mas nada que mutilasse o corpo do chimarrão. Inclusive, se algum dia você acompanhou o Timeline pelo GZH, viu que, quando eu morava nos Estados Unidos, fazia o programa empunhando o microfone numa mão e a cuia noutra. E, se observasse com acurácia, veria o meu morrinho intacto. Um belo morrinho.
Mas agora, não.
De uns tempos para cá, meus morrinhos têm se desmanchado no segundo ou no terceiro mate, o mais tardar no quarto.
Por quê? Mudou a composição da erva do Rio Grande? Isso me aborrece profundamente.
Notem, gaúchas e gaúchos de todas as querências, que procuro seguir as regras do bom mate: a água, depois que a chaleira chia, deixo-a esfriar um pouco, para que não queime a erva. A quantidade dela, erva, que acomodo na cuia é sempre a mesma: quatro colheres de sopa cheias. A seguir, construo o morrinho com ciência de mestre de obras. Aplaino o topo e o lado que receberá a água, cuido para que tudo fique bem lisinho, como as pernas da Gisele. O passo seguinte é o derramamento da água. Faço-o com extrema doçura, esforçando-me para que a parede do morrinho não sofra erosão. Essa primeira água, não a bebo. Não. A ideia é que ela ceve a erva, intumescendo-a devagar. Então, deito a cuia na horizontal, como se estivesse estendendo a noiva no leito da primeira noite de amor. E espero.
Espero.
Espero.
Quando a erva absorveu toda a água, tomo da bomba e (importante!) tapo a boca com o polegar para só depois fincá-la na base do morrinho, deixando que metade seja introduzida na parede de erva e metade fique para fora.
Voilá!
O mate está pronto para ser ingerido. É o que faço. Tomo o primeiro. O segundo. No terceiro... foi-se o morrinho. E o mate perde o gosto e o dia se torna sombrio. Por que isso está acontecendo comigo? Tenho me sentido menos gaúcho por causa dos morrinhos decaídos. Preciso consertar meus morrinhos, ou entrarei em crise de identidade.