Que erro histórico cometeu Sérgio Moro, ao aceitar o cargo de ministro de Bolsonaro. Que erro! Na época, lembro de ter dito: “Ótimo para o governo, péssimo para Moro”. Na verdade, não foi péssimo apenas para Moro; foi péssimo para o Brasil.
Com sua assunção no ministério, Moro colocou em risco a Lava Jato, que é nada menos do que a operação anticorrupção mais importante da história brasileira, talvez mundial. A Lava Jato teve seus defeitos, seria impossível que uma movimentação de tal porte não os tivesse, mas seus predicados foram bem maiores. Bilhões de dólares retornaram ao erário, devolvidos por corruptos confessos. Esquemas promíscuos entre políticos e empresários de toda a América Latina acabaram desmontados. A administração pública brasileira passou por um processo de desinfecção.
Mas era certo que haveria reação. Porque a Lava Jato apenas abalou o sistema, não o derrotou. O sistema é abrangente e flexível. O sistema é líquido, ele adota a forma do recipiente que o contém. Ele se tornou outro, para continuar sendo o mesmo.
Essa resposta do sistema aconteceu quando os políticos foram tocados. Sempre se pensou que o dinheiro mandava no Brasil. Errado. Quem manda é o poder. São os políticos. A prisão de grandes empresários corruptores chocou, mas não provocou a verdadeira resistência. Com os políticos, a conversa foi outra.
No momento em que teve seu mandato cassado pela Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha fez uma profecia: “Hoje sou eu; vocês, amanhã”.
Ele estava certo. Políticos de quase todos os partidos foram afetados pelas investigações da Lava Jato, porque as alianças dos governos do PT eram amplas – grande parte das legendas participava da administração. Ou seja: a Lava Jato se tornou inimiga dos políticos, de seus apoiadores em diversos estamentos da sociedade e de seus eventuais sabujos nas mídias. É muita gente.
Moro era o principal personagem da Lava Jato. Ou seja: era o principal inimigo dos políticos. E Moro, ao aceitar o ministério, virou um deles. Virou político! Como esperava ser recebido nesse meio?
Moro talvez acreditasse no que acreditaram os eleitores de Bolsonaro: que ele, Bolsonaro, era diferente. Que não tinha nada a ver com o tradicional mecanismo da política brasileira. Ora, Bolsonaro foi deputado por 28 anos, três dos seus filhos são políticos, ele e sua família estão completamente integrados no sistema. Mais: são parte do sistema.
Bolsonaro pode ser tacanho em inúmeras questões, mas conhece as minudências da política. Por mais que às vezes teça considerações toscas ou pareça afrontar os outros poderes, Bolsonaro sabe que as engrenagens têm de estar encaixadas para que a máquina funcione. Um precisa do outro. Assim, Bolsonaro não iria afrontar os políticos, valorizando a Lava Jato. Ao contrário: ele permitiu que os políticos aos poucos se remobilizassem e se fortalecessem para o contra-ataque.
Pois o contragolpe veio, e veio de frentes variadas. A Lava Jato, na prática, acabou. Duvido que suas decisões sejam revertidas, mas, com seu prestígio corroído, os políticos ganham certa segurança de que um evento semelhante não volte a ocorrer, pelo menos não em breve.
Essa reação era esperada, mas ganhou mais vigor devido à entrada de Moro no governo. Com a saída, ele tinha chance de se redimir, se apresentasse provas sólidas de irregularidades perpetradas por Bolsonaro. Não apresentou. A prova que surgiu, o famoso vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, demonstrou tão-somente como os integrantes do governo são rasteiros, como são mal-educados, como são grosseiros, mas disso todo mundo já sabia, e disso alguns até se regozijam.
Então, ficou assim: Moro provavelmente será candidato a presidente da República, mas não terá a seu favor a boa imagem que possuía quando era juiz e contra si terá o establishment restaurado e sedento de vingança. Bolsonaro, empregando métodos parecidos com os que o PT empregou, como as alianças com o Centrão e o Bolsa Família, terá grande chance de se reeleger. E o sistema continuará intacto. Com algumas cicatrizes, é verdade. Mas forte e de pé. Pelo seu próprio bem.