Certa vez, um grupo de vegetarianas fez uma manifestação durante a sessão de autógrafos de um livro que eu estava lançando. Verdade! Já contei esse episódio, mas sempre que lembro parece tão irreal que quase duvido que aconteceu.
Mas aconteceu.
É que, em algumas crônicas, eu gozava da devoção das vegetarianas ao, digamos, “movimento”. Um dia, citei um trecho de um texto de Alexandre Dumas Pai, que escreveu o seguinte:
“Não posso deixar de dizer que a salada não é absolutamente uma alimentação natural para o homem, por mais onívoro que seja este. Só os ruminantes nasceram para pastar folhas. A prova é que nosso estômago não digere a salada, uma vez que secreta apenas ácidos e que as folhas só se diluem por meio de alcalinos…”.
Dumas Pai era um gourmet, escreveu um livro sobre gastronomia, por isso discorria com tanta ênfase sobre a salada. Eu, pessoalmente, nada tenho contra quem se entrega à dieta vegana, ou qualquer outra semelhante. Pouco se me dá o que as pessoas comem. Mas me divertia brincando com as vegetarianas.
Algumas reclamavam das crônicas, outras entendiam que era brincadeira e achavam engraçado. Tudo bem, nunca dei muita importância a esse “debate”. Era só gozação mesmo.
Aí, nessa noite, eu estava autografando os livros no mezanino de uma livraria e, de repente, elas saltaram detrás de pilares e estantes, abriram faixas e cartazes e começaram a gritar palavras de protesto. Primeiro, levei um susto, não entendia bem o que estava se passando. Depois, achei curioso e até gostei, encarei com bom humor. Mas elas não paravam, então começou a ficar chato. A certa altura, o editor, o Ivan Pinheiro Machado, pediu que elas se acalmassem, e aos poucos elas foram se aquietando e a noite seguiu seu curso.
Não fiquei chateado ou brabo, considerei a manifestação delas espirituosa, mas, nos dias seguintes, observando a repercussão do caso, vi que havia pessoas levando aquilo a sério e que algumas estavam realmente irritadas comigo. O que me deixou perplexo. Como alguém poderia se ofender com uma piada acerca de seus hábitos alimentares?
Hoje, olhando aquela noite em retrospectiva, vejo-a como um prenúncio do que vinha acontecendo na sociedade brasileira. As pessoas estavam se tornando mais suscetíveis. Elas aprenderam, rapidamente, a se ofender.
Porque isso, esse sentimento de ofensa, se ensina e se aprende. Tem sempre um fundo egoico, óbvio. Quanto maior o ego, maior a possibilidade do sujeito se sentir ofendido, sobretudo se o ego for grande e a autoestima, pequena. Neste caso, a pessoa vive se sentindo diminuída pelos outros.
Mas os MOTIVOS da ofensa são culturais. São ensinados. No passado recente, brincar com a masculinidade de um homem ou com a castidade de uma mulher era razão para briga com consequências graves. Nos anos 70, se você queria insultar um jovem, chamava-o de maconheiro. Mas eram ofensas de fundo pessoal. Agora, as pessoas podem se sentir ofendidas em grupo, elas têm meios para se mobilizar e para atacar o suposto ofensor. Isso dá poder ao ofendido. Encontrar algo para se ofender acaba se tornando recompensador, o ofendido tem uma sensação de grandeza e de pertencimento que não teria, se não houvesse o presumido ato de agressão. É preciso encontrar uma agressão, portanto, para crescer sobre os ombros do agressor.
São muitas as suscetibilidades que nos cercam, no século 21. É necessário ter cuidado ao caminhar, para não pisar numa. E despertar a ira dessa geração de ofendidos.