Decidi fazer minha playlist. Você sabe o que é playlist? É uma lista de músicas. Você baixa por um aplicativo e bota para tocar no jantar com os amigos ou numa viagem de carro. Aliás, se você for fazer playlist de viagem de carro, tem de começar com uma chamada Don’t Dream it’s Over, de uma banda da Austrália, a Crowded House. Tem versão em italiano e em espanhol. Você ouve essa música e se imagina rodando por uma estrada vazia ao pôr do sol. Eu, aqui, me imagino dirigindo com uma única mão, levando o cigarro aceso na outra, fitando o horizonte com o olhar do caubói que teve de partir, apesar das súplicas da amada.
Mas, como a minha playlist não é de viagem, resolvi começar com outra música. Lembrei de algo que me aconteceu quando cobria a Olimpíada de Londres. Nós tínhamos terminado o trabalho e marcamos de nos encontrar, eu, o Piangers e o Túlio Milman, em um pub. Cheguei antes, finquei os cotovelos no balcão e pedi uma pint. Estava ali, meio desligado, nem sentia os meus pés no chão, quando os músicos do bar começaram a tocar uma melodia que reconheci nos primeiros acordes. Era Waiting on a Friend, dos Stones. Quer dizer: Mick Jagger esperando por um amigo. No caso, Keith Richards. Em Londres. Os caras estavam cantando para mim! Quando o Piangers e o Túlio chegaram, eu me sentia um espírito livre, uma pedra rolante. Desde aquele dia, tenho apreço especial por essa música. Coloquei na minha playlist.
Aí o aplicativo, esperto que é, sugeriu outras músicas correlatas, entre elas My Love, do Paul McCartney. Ah, ouvi essa da boca do próprio McCartney em seu primeiro show em Porto Alegre, no Beira-Rio. Ele anunciou, em português britânico: “Essa canção eu fiz para a minha gatchinha”.
Falava de Linda McCartney, que morreu no fim dos anos 1990. Concluí que Paul a amava muito mesmo, porque, afinal, ele já tinha outra mulher, e não hesitava em ressaltar que aquele clássico do pop internacional era em homenagem a Linda. O jeito que ele cantou foi de fato emocionante. Vi pessoas chorando ao meu redor e eu mesmo, romântico que sou, senti uma melancolia doce me tirar um oh do peito.
Foi um show histórico. O melhor que vi. Era uma noite amena, o ar estava perfumado e fino. Saímos do estádio felizes, flutuando, olhando com benevolência uns para os outros, como se a trilha sonora do mundo fosse sempre uma balada dos Beatles.
Minha playlist, porém, não poderia se restringir aos britânicos. Quem sabe Como Vai Você?, do Antônio Marcos, só que cantada pelo Rei, que, segundo o meu amigo Nelson Guahnon, é a música mais bonita do mundo? Por que não? Acrescentei.
Qual será, a propósito, a música mais bonita do mundo? Uma que parece ter sido composta no Olimpo é Ária na Corda Sol, de Bach. Se bem que a Sonata ao Luar, de Beethoven é igualmente divina. Essas duas não tinham nada a ver com as anteriores, mas as relacionei.
Talvez as músicas mais bonitas do mundo só possam ser escolhidas por categoria. Cada uma das que escolhi, assim, seria a mais linda de seu nicho. Tango, por exemplo. O mais belo tango que existe é Por una Cabeza, de Carlos Gardel e Alfredo Le Pera. Cada vez que vejo Al Pacino bailando este tango com a jovem Gabrielle Anwar, em Perfume de Mulher, meu Deus, chega a me vir uma bola de emoção na garganta. Não me debulho todo porque sou do IAPI.
Essa Gabrielle Anwar é inglesa, como Paul e Mick, e tem uma beleza ingênua e dourada que faz a gente ficar pensando e pensando... Ela foi a irmã do rei Henrique VIII na ótima série The Tudors.
Mas, voltando aos tangos, fico cogitando se El Día que me Quieras, outro de Gardel e Le Pera, não ombreia com Por una Cabeza. Em todo caso, listei ambos. Com um detalhe, que, sei, vai arrepiar os puristas: preferi El Día que me Quieras interpretado por Roberto Carlos. Sério. Você acha um escândalo? Ouça o Rei cantando Gardel e depois venha me falar.
Tenho de colocar uma gaúcha. Pra te Lembrar, do Nei, é tão linda... E Desgarrados, do Mário Barbará? Cristo! Está me dando uma aflição. Não escolherei apenas uma, e sim as cem músicas mais bonitas do mundo. Será a minha playlist, uma playlist invencível, a melhor playlist. O próximo jantar com os amigos será inesquecível.