O Peninha é odiado por historiadores. Não todos. Odiado por alguns, e direi por que.
O Peninha, você sabe de quem estou falando: Eduardo Bueno, jornalista, que começou sua trajetória jovenzinho na mítica Editoria de Esportes de Zero Hora. O Pedro Ernesto diria que, de tão jovem, nem pelos pubianos tinha. E o histórico editor Mauro Toralles, o Boró, ao vê-lo entrar pela primeira vez na redação, magrela e desajeitado, os cabelos desgrenhados, o nariz proeminente, exclamou:
“Mas é o Peninha!”
E Peninha ficou sendo.
Como Peninha, ele fez muito, inclusive privou da intimidade de alguns de seus ídolos, como Bob Dylan e Iúra, o Passarinho. Mas, como escritor, foi promovido a Eduardo Bueno, que escritor tem de ter nome e sobrenome.
Então, finalmente elevado a Eduardo Bueno, o Peninha escreveu clássicos da história do Brasil, sobretudo acerca do remoto século XVI. Foram sucessos forjados em texto fluente, derramando luzes sobre personagens pouco conhecidos, como o misterioso Bacharel de Cananeia, que “se tornara uma espécie de rei branco vivendo entre os índios; que tinha pelo menos seis mulheres, mais de 200 escravos e mais de mil guerreiros dispostos a lutar por ele; que era temido e respeitado por todas as tribos costeiras desde São Paulo até Laguna e que não havia quem ousasse desafiar o seu poder. O Bacharel de Cananeia era o virtual senhor do litoral sul do Brasil”.
Ficou curioso? Leia Náufragos, Traficantes e Degredados, de Bueno.
É por causa de histórias deste jaez que o Peninha é odiado pelos historiadores acadêmicos, mesmo que autores respeitados o defendam, como Mary del Priore. É que muitos historiadores abordam a história pelo viés marxista, em que a conjuntura sempre é mais importante do que o indivíduo. Eles não acreditam que a vontade de um homem possa mudar a sociedade, eles excluem o ser humano da história da Humanidade.
Os franceses são campeões nisso. Uma passagem da história narrada por franceses em geral é soporífera, porque não tem protagonistas, não tem personagens e, por consequência, não tem cor. Jesus Cristo talvez não tenha existido, Cleópatra era feia, Júlio César fantasiou ao escrever A Guerra Gaulesa e Shakespeare não foi um homem só, foi muitos. Por quê? Porque o coletivo tem sempre de superar o individual, porque o gênio tem sempre de estar abaixo do comunitário.
Os acadêmicos prezam tanto sua forma de contar a história que conseguiram, dias atrás, a regulamentação da profissão de historiador. É uma tendência de praticamente todas as categorias buscar pela segurança da reserva de mercado. É algo que vem de longe, das guildas medievais. Todos querem se proteger da concorrência de penetras. Jornalistas, publicitários, arquitetos, bibliotecários, até técnicos de futebol alegam dispor de um conhecimento tão especializado que só eles podem exercer a atividade que exercem.
Regulamentação. Controle. Ordenamento.
Certidões. Carimbos. Atestados.
É, de alguma maneira, a concretização do sonho marxista de a comunidade submeter o indivíduo.
Quer um exemplo sólido deste sonho realizado? Brasília. Niemeyer e Lucio Costa planejaram uma cidade compartimentada, onde cada ocupação teria o seu lugar e cada quadra a sua função, uma cidade tão acima do transeunte e do pedestre que ninguém pode nem conversar numa esquina, porque esquinas não há. Brasília deveria ser a vitória da ordem sobre a iniciativa. Devia ser a derrota do homem só. Não sei se deu certo. Algum historiador autorizado ainda me dirá se sim ou não. Algum dia.