Talvez seja coisa nossa, dos povos latinos. Nós somos muito coração, como já havia identificado Sérgio Buarque de Hollanda, o pai do Chico. Não é nem que agimos por instinto, como os bichos. Não. Os bichos são previsíveis. Quer dizer: existe uma lógica reta nas suas ações e reações. Nós, latinos, não. Nós nos movemos por sentimentos tortuosos e somos capazes de coisas que fazem um anglo-saxão erguer uma sobrancelha e exclamar:
“Oh...”
Por exemplo: essa final da Liga dos Campeões da Europa gerou manifestações que expõem a personalidade de alguns povos envolvidos. Os franceses, depois da derrota, saíram às ruas, quebraram carros e vitrines, atearam fogo em lixeiras, promoveram tumulto.
Por quê?
O time deles enfrentou um adversário superior e jogou bem, fez uma final digna. Não levou oito gols, como o Barcelona havia levado. Ao contrário: teve bravura e saiu de campo com a cabeça erguida.
Então, repito: por que a violência?
É porque, para o francês de hoje, pouco interessam as razões, o que ele quer é demonstrar seu descontentamento com o mundo. O mundo, para o francês, é visceralmente injusto. O mundo não dá ao francês o que ele quer, e isso é revoltante. Afinal, o francês nasceu e, por consequência, deveria ter garantidos o sustento, a fartura e o campeonato da Europa.
O mesmo jogo de futebol titilou os brasileiros e lhes expôs a personalidade, graças ao envolvimento de um protagonista do campeonato, Neymar.
Muitos brasileiros, veja só, comemoraram a derrota de Neymar, o maior craque do Brasil. Nas redes, ninguém destacou sua habilidade fluente, sua vontade de vencer, seu genuíno abalo com a derrota. Nas redes, Neymar foi tratado como um fracassado.
Surge, desta forma, uma contradição do caráter do brasileiro. O brasileiro venera políticos e têm neles fé cega, como se fossem semideuses infalíveis (vide lulistas e bolsonaristas). No entanto, o brasileiro torce contra o seu semelhante. Ou seja: para o brasileiro, existe alguém acima dele que é intocável, e todos os demais, que estão a seu lado, na planície, são seres menores, quase desprezíveis.
Como o francês, o brasileiro também acha o mundo injusto, mas cultiva a esperança de que um herói corrija essa injustiça. Enquanto isso não acontece, enquanto ele não é salvo por alguém, o brasileiro se empenha em diminuir quem está por perto, para parecer maior. Ele aponta para o próximo e diz: eu não sou tão miserável, porque você é mais miserável do que eu. Eis a fonte da nossa irreverência, da nossa iconoclastia e da nossa amargura.
Somos, de fato, servos dos nossos próprios sentimentos. Ponderação, quase nenhuma. Reflexão, perto do nada. Mas muito, muito coração.