Derlinda W, uma leitora do Rio de Janeiro, tem dúvida sobre uma palavra muito cara aos gaúchos: "Caro Professor: moro em Campos, RJ, mas meu marido é de Tramandaí. Todos os dias, de manhã bem cedo, com a cuia na mão, ele gosta de ouvir uma rádio de Porto Alegre, e nestes anos todos eu já acostumei com as músicas e o modo de falar "bagual", como ele chama. Ora, um dia desses um velhinho falou numa entrevista que seu avô caçava os cachorros chimarrões que andavam em bandos pelo campo atacando os bois e as ovelhas. Aí não entendemos mais nada; chimarrão não é apenas o aumentativo de chima?".
Cara Derlinda: essa pergunta, como dizia aquele antigo trava-língua, é um ninho de mafagafos com sete mafagafinhos. Vamos isolar e examinar um por um − a começar pela relação que existe entre as formas chima e chimarrão. Qual é a primitiva, qual é a derivada? Normalmente os filhos são maiores do que os pais, como dizia nosso eterno mestre Celso Pedro Luft, referindo-se ao fato de que as palavras derivadas ganham mais corpo ao receber prefixos ou sufixos. De santo sai santarrão: de fanfarra, fanfarrão; de prato, sai pratarrão − mas, surpreendentemente, é chima que sai de chimarrão. Trata-se de um daqueles casos − hoje cada vez mais comuns − de redução ou abreviação. como bisa, bíci, berga ou churras saíram de bisavó, bicicleta, bergamota ou churrasco, respectivamente.
Vamos adiante. Chimarrão vem de cimarrón, usado para designar "um animal doméstico que foge para o campo e se torna selvagem" ou "uma planta que é a variedade silvestre de uma espécie com variedade cultivada" segundo o Dicionário da Real Academia. Na América, durante o domínio espanhol, passou a designar os escravos fugidos que conseguiam viver em liberdade no mato ou nos montes − o que explica que exista tanto escravo chimarrão quanto gado chimarrão.
Com o tempo, o termo passou também a especificar o mate tomado ao natural, isto é, apenas água quente sobre a erva pura, ainda verde, sem ser torrada – o tradicional mate-amargo, que é a forma preferida por todos os gaúchos. Assim, o mate chimarrão se distinguia do mate com leite (há quem tome − e na cuia!) ou do mate doce (outrora com açúcar, hoje substituído prudentemente por adoçante líquido, como fazem as elegantes portenhas que se bronzeiam em Punta). De adjetivo que era, chimarrão passou facilmente a substantivo, seguindo, aliás, um velho mecanismo de nosso idioma: as (eleições) diretas, um (automóvel) conversível, um (café) espresso, por exemplo, ou as diretas, um conversível, um espresso (é com S mesmo).
O entrevistado, portanto, estava se referindo ao "cachorro selvagem que ocupava grandes espaços desérticos do pampa...e se constituía num grande perigo para as populações residentes... Esses cães, que atacavam o gado, eram perseguidos e exterminados às centenas", como explica Aldir Schlee no verbete chimarrão de seu Dicionário da Cultura Pampiana Sul-Rio-Grandense. Aliás, você deveria ler a impressionante descrição que o mesmo Schlee faz da perseguição e do extermínio desses animais, numa passagem magistral do seu romance Don Frutos, cuja leitura vivamente recomendo.