Este ano, ao voltar de nossas curtas férias no Campeche, em Santa Catarina, eu e minha mulher não fizemos o habitual revezamento ao volante. Uma fisgada poderosa na minha perna direita colocou-me compulsoriamente no banco do carona, permitindo (há males que vêm para o bem) que eu apreciasse, como nunca antes tinha feito, todos os detalhes da paisagem. Não são cinquenta tons de verde, mas quase isso, e minha filha mais moça, que antes perguntava o nome dos animais espalhados no campo, agora já passou desta fase e quer que eu identifique as lavouras que se enxergam da estrada.
O problema é aquele cacoete profissional que me domina há cinquenta anos: não consigo passar os olhos por cartazes e letreiros sem examinar criticamente o que escreveram ali. É evidente que, em nome da paz familiar, não vou ficar papagueando as observações que resmungo mentalmente ao correr das tabuletas. Detalhe importante: não me preocupam os erros pessoais, cometidos pelo cidadão comum, pelos civis, digamos assim — pelo dono da tendinha que anuncia "cocô verde gelado"; pelo mecânico que escreve "concertasse carro automatico"; pela folha A4 pregada na porta da lojinha, com os dizeres escritos com batom: "fui ao mossar". Não; esses despertam a minha piedade e simpatia mais genuína. Eles são o Brasil raiz, pobre povo ludibriado a que negaram aquela formação básica de ler, escrever e fazer contas que há muito deixou de ser prioridade na dita "escola moderna".
Não, eu implico mesmo é com os erros na linguagem oficial, na linguagem do Estado, que se dirige a seus cidadãos — no caso da estrada — por meio dos letreiros e das placas de trânsito. É um longo desfile, e vou falando com meus botões: nesta aqui Torres ainda está com acento, marcando a antiga diferença do verbo torrar, como em "não torres a minha paciência", mas é melhor eu ir me acostumando, porque logo adiante, no Estado de Santa Catarina, vão compensar este erro acentuando Biguaçu, tacando dois S na pobre Uruçanga e um CH em Xapecó e distribuindo acentos de crase a torto e a direito, como se não houvesse amanhã...
Então, na entrada de um túnel, deparo com uma advertência importante: Ao parar no túnel, desligue o motor. Não, nem é uma advertência, mas um comando, uma ordem bem clara: desligue o motor. Aqui não há problema; o perigo está naquela oração subordinada, "ao parar no túnel". Quem redigiu esta frase (e quem autorizou sua reprodução e exibição aos milhares de motoristas) não percebeu que, implicitamente, está oferecendo a todos a opção de parar no meio do túnel.
Se dizemos "ao entrar na garagem, desligue o motor", "ao sair de casa, apague as luzes", "ao pagar o ingresso, verifique o troco", este ao dá a nossos leitores o direito de extrair daí duas interpretações: a oração subordinada é temporal (quando) ou ela é condicional (se), mas ambas as interpretações são lícitas. No nosso caso, a leitura "quando parar no túnel" deixa em aberto a possibilidade de alguém tomar isso como uma opção cabível — e não me venha alguém alegar que a interpretação óbvia é "na hipótese do carro parar no túnel", porque há uma lei (não é a lei de Murphy, nem a Lady Murphy) que reza que, quando alguma frase puder ser lida de duas maneiras diferentes, fatalmente ela será.
Isso é mais ou menos o que ocorreu com aquela conhecida advertência do Ministério da Saúde estampada nos comerciais de medicamentos. Foi um vaivém de versões. Havia o "ao persistirem os sintomas", que, como vimos, é uma oração temporal (quando os sintomas persistirem), concorrendo com "a persistirem os sintomas" (se os sintomas...). Eu, que sou leigo, optaria pelo SE, pois sempre imaginei que era uma orientação para o caso (não esperado) de persistirem os sintomas, mas poderia também ser uma recomendação do que deveria ser feito QUANDO os sintomas persistissem...
Não há dúvida de que é uma diferença sutil (talvez até discutível), mas é aí que bate o prego: quando a autoridade se dirige ao cidadão, sutilezas não são admissíveis. Tudo deve estar claro como era antigamente a água. Por um senso de economia (ou talvez por um secreto anseio estético) alguém escreveu "ao parar no túnel", em vez de "se você for obrigado a parar no túnel", ou "se tiver de parar no túnel" – simples assim.