O tema desta coluna são os adjetivos gentílicos, aqueles que, segundo o dicionário, designam "o país, a região, o Estado, a província, o condado, o município ou a cidade em que a pessoa nasceu ou habita". Nasci na cidade de Rio Grande e moro desde os nove anos em Porto Alegre, o que permite que eu me apresente como rio-grandino, porto-alegrense, sul-rio-grandense, brasileiro ou sul-americano. Ah, já ia esquecendo: sou também um terráqueo. Diante de todos esses gentílicos, qualquer criatura do Universo, seja qual for o seu planeta, saberá de onde venho e onde fixei minhas raízes.
A mesma sorte, no entanto, não tem a leitora Felícia P., gaúcha que casou e foi morar em Camboriú. Eis o que ela diz: "Professor, nasci em Viamão, uma cidade que fica perto de Porto Alegre, a capital do meu Estado. Talvez o senhor não a conheça (decididamente, caros leitores, ela não tem a menor ideia de onde moro...), mas tenho certeza de mesmo assim poderá desfazer a minha dúvida: de verdade, sou uma viamense ou uma viamonense? Já tinha visto uma vez viamense escrito no nome de uma loja, mas nem me importei porque estou cansada de anúncios e de cartazes cheios de erros. Mas aí alguns colegas aqui da secretaria discutiram comigo e me mostraram, no Google, que é essa a forma certa, ou ao menos a mais certa, porque dá um vareio de três a um na viamonense que eu sempre usei. Será que mudou por causa do Acordo Ortográfico? Se não mudou, como posso argumentar que estou certa?".
Prezada Felícia: para não fazer suspense, já vou te informando que a razão está contigo: és uma viamonense. Não te preocupes com a *viamense (o asterisco assinala uma forma incorreta ou inexistente) porque ela é uma criação inviável dentro do sistema reprodutivo de nosso idioma. Explico melhor: aquela antiga distinção entre palavras primitivas e derivadas, tão repisada na escola, nas séries fundamentais, descreve, no fundo, a mola mestra que mantém nosso léxico em constante crescimento. De uma palavra existente posso formar uma ou mais derivadas, as quais, por sua vez, também haverão de gerar os seus filhotes, e assim por diante. Esse dom maravilhoso de produzir descendência, porém, está presente apenas nos substantivos, nos adjetivos e nos verbos, que por isso mesmo formam listas que crescem infinitamente, enquanto as preposições, as conjunções, os pronomes são listas fechadas — todas essas palavras cabem numa única folha de caderno, e ainda sobra.
As classes férteis (digamos assim) produzem brotos em três direções possíveis. Um substantivo, por exemplo, pode produzir um substantivo novo, ou um adjetivo, ou um verbo (gelo: geladeira, gélido, gelar) — e assim também vai acontecer com os adjetivos (belo: beleza, embelezar) e com os verbos (inverter: inversão, inverso). No teu caso, Felícia, vamos examinar de perto os adjetivos gentílicos — todos eles derivados de um substantivo próprio, que vem a ser o nome geográfico a que se referem. A derivação é feita basicamente pelo acréscimo de certos sufixos (digo certos porque nem todos cabem em qualquer combinação, como veremos).
Nos gentílicos, os sufixos mais frequentes são –ano (americano, baiano), -ense (catarinense, pelotense), -ês (milanês, chinês), mas também –ino (argelino, londrino), –ão (catalão, afegão), –ita (israelita, moscovita), –enho (panamenho), –ista (santista), entre outros mais raros. Em geral não existe um padrão que determine qual desses sufixos vamos usar; a seleção se dá, caso a caso, por critérios que ainda não ficaram bem claros, como se pode ver na ocorrência de variantes como canadense, canadiano; camaronense, camaronês; costa-riquense, costa-ricense, costa-riquenho...
A boa notícia, cara leitora, é que viamonense faz parte de um perfil que sempre terá o mesmo comportamento: todos os adjetivos gentílicos formados a partir de substantivos próprios terminados em –ÃO pressupõem uma forma subjacente terminada em /on/: Aragão, aragonense (ou aragonês); Barracão, barraconense; Camarão, camaronense; Gabão, gabonense — e, para minha surpresa, Japão, japonense (mais tarde superado por japonês). Como vês, os fatos falam. Nunca poderia dar *viamense, como defendem os teus colegas. É viamonense (como está no Houaiss e no Vocabulário Ortográfico da Academia); se brotar uma variante, esta será previsivelmente viamonês, que seria, porém, muito mais bem empregada se quiséssemos nos referir à fala característica de Viamão, seguindo os passos do incomparável Dicionário de Porto-Alegrês do nosso amigo Fischer.