Em 1980, no galopar do governo Figueiredo, os aparelhos repressivos da ditadura não tinham mais a quem reprimir. A guerrilha urbana havia sido derrotada, e a anistia fora decretada. Gabeira, que participara do sequestro do embaixador americano, agora usava tanga de crochê na praia e pregava a "política do corpo". Brizola, o brasileiro que mais tempo ficou no exílio (15 anos), desembarcou de um pequeno avião em Foz do Iguaçu ansioso para retomar o comando do seu PTB, o que lhe seria tirado por uma astúcia de Golbery.
Então, não havia mais a quem prender nem a quem torturar. Mas a "tigrada", como eram chamados os torturadores, continuava na ativa. E agora? Como legitimar o emprego, se não existia trabalho? Elio Gaspari descreve essa situação constrangedora no quinto e último volume de sua obra sobre o regime militar, A Ditadura Acabada: "...era necessário justificar a existência da máquina repressiva. Ela encolhera, talvez à metade, mas ainda assim faltava-lhe serviço. (...) O veterano Doutor Diogo, controlador de informantes do DOI do I Exército, reconheceria: 'Havia uma apatia... iam ao cinema ou iam para casa'. No DOI de São Paulo, a mesma coisa: 'Aquilo passou a ser um marasmo'".
Tratava-se de um drama de mercado: se o seu trabalho é combater inimigos, você deixa de ter trabalho quando deixa de ter inimigos. Logo, deixa de ter importância.
A saída dos repressores foi abrir novos campos de atuação, criando novos inimigos. Foi aí que começaram a explodir bombas em bancas de revista, escritórios de advocacia e jornais. Finalmente, uma carta-bomba foi enviada à sede da OAB, matando a secretária que abriu o pacote, e outra amputou o braço do assessor de um vereador na Câmara do Rio. Encontrar inimigos era preciso. Em busca deles, os repressores chamavam até o general Golbery de comunista.
Essa é a lógica de quem se justifica pelo conflito. É a lógica bolsonarista. Bolsonaro foi eleito como contraponto às esquerdas, à "velha política" e à corrupção. O voto em Bolsonaro não foi de construção, foi de destruição. O eleitor o identificou como oposto "a tudo isso que está aí" porque ele realmente é oposto a tudo isso que está aí. Esse foi sempre o seu comportamento, seja no Exército, seja na Câmara de Deputados. Bolsonaro sempre foi do contra. Ele gosta do enfrentamento e o procura onde estiver.
Observe o ritual diário que Bolsonaro promove na saída do Palácio da Alvorada, quando fala a jornalistas em um brete precário, no qual profissionais da imprensa e apoiadores do presidente se misturam. Por que ele faz isso? Se ele não gosta da imprensa, por que fala todos os dias com os repórteres? É porque identifica nos jornalistas os seus inimigos, e Bolsonaro necessita de inimigos para se legitimar. Assim, diante do Alvorada, ele criou o campo de batalha ideal: fala quanto quiser e o que quiser, não interessa forma ou conteúdo, o que interessa é que o aplauso está assegurado.
Alguns veículos desistiram de cobrir esse evento. Todos deveriam fazer o mesmo. Bolsonaro não está lá para ser questionado ou para informar. Ele está lá apenas para brigar.