BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - A repórter Julliana Lopes, da CNN Brasil, foi interrompida por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante uma entrada ao vivo nesta quarta-feira (27) na entrada do Palácio da Alvorada.
A jornalista falava sobre a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal) de determinar o depoimento do ministro Abraham Weintraub (Educação).
Weintraub tem prazo de cinco dias para ser ouvido pela Polícia Federal sobre o fato de reafirmado em reunião ministerial de 22 de abril que botaria todos na prisão, "começando pelo STF".
Moraes afirmou que há "indícios de prática" de seis delitos. Segundo o Código Penal, Weintraub pode ser enquadrado por difamação e injúria. Os outros estão tipificados em quatro artigos da lei que define os crimes contra a segurança nacional e a ordem política e social.
"Abraham Weintraub tem razão!", gritou um homem que estava no bolsão reservado a apoiadores do presidente. Este espaço é separado da área destinada à imprensa por apenas uma grade.
"Larissa, eu vou voltar agora com você no estúdio. Está difícil a gente falar. Daqui a pouquinho eu volto", disse Julliana, ao chamar a apresentadora Larissa Alvarenga.
"Tá bom, Ju. Muito obrigada. A gente entende. A Ju está ali posicionada no Palácio do Planalto [na verdade, Alvorada]. Muitas vezes, apoiadores do presidente acabam atacando a imprensa. Então, por isso, até por uma questão de segurança, depois ela volta a conversar com a gente", disse Larissa.
Julliana não voltou a entrar ao vivo do Alvorada. Em seguida, o apresentador Reinaldo Gottino apoiou a decisão da repórter de encerrar sua transmissão.
"Fez bem. Fez muito bem, Julliana, que faz um ótimo trabalho. A gente está aqui para informar, a gente está aqui para falar o que acontece de um lado, do outro. Nós não temos lado, nós somos a favor da pluralidade. Nós estamos aqui para ouvir as vozes importantes deste país, seja de que lado for. E é importante. E as pessoas precisam se acostumar. Se fosse para ouvir um lado só, aí não seria jornalismo, seria qualquer outra coisa, menos jornalismo", disse Gottino.
Jornalistas são hostilizados diariamente por apoiadores de Bolsonaro na porta do Alvorada, mas a situação se agravou na segunda-feira (25). Veículos como a Folha de S.Paulo, o UOL e o Grupo Globo suspenderam a cobertura no local na terça-feira (26).
A Folha de S.Paulo decidiu suspender a cobertura jornalística temporariamente até que o governo federal ofereça segurança aos profissionais de imprensa. A mesma decisão foi tomada pelo Grupo Globo, abrangendo os jornalistas de suas emissoras de televisão, os jornais O Globo e Valor Econômico e o portal G1.
A cobertura tem sido feita a distância, por transmissões realizadas pela internet pela equipe de Bolsonaro e por apoiadores.
Além da CNN Brasil, nesta quarta, Record TV, SBT, Jovem Pan e Poder 360 enviaram repórteres ou produtores para o local. Eles foram hostilizados.
De acordo com relatos feitos à reportagem, antes de interromper a entrada da repórter da CNN Brasil, o apoiador foi até a grade de contenção afirmando que a imprensa mentia ao dizer que jornalistas estavam inseguros no local.
Depois que o homem interrompeu Julliana, agentes da Secom (Secretaria de Comunicação) e do GSI foram conversar com ele. Após a saída do presidente, os apoiadores passaram a xingar os profissionais de imprensa e foram abordados pelo pessoal do Gabinete de Segurança Institucional.
Em entrevista à Rádio Gaúcha nesta quarta, o vice-presidente da República, general Hamilton Mourão, afirmou que as pessoas precisam entender que os jornalistas estão trabalhando e que isso é uma questão de educação.
"Isso é a cargo da segurança, do pessoal do GSI, do Planalto. Eu, como desconheço aquilo ali, nunca passo ali, apesar de ficar perto de onde eu resido... Agora, essas animosidades, vocês que são da imprensa sabem que ocorrem o tempo todo. As pessoas hoje acabam não se respeitando, perdem o respeito um pelos outros e, às vezes, têm que entender que cada um está fazendo seu trabalho. Acho que é uma questão até de educação isso aí", disse Mourão.
No dia anterior, ao perceber a ausência de jornalistas, Bolsonaro disse na porta do Alvorada que os jornalistas estão se vitimizando.
"A Folha não está mais aqui, não? O Globo não está? Estadão também não", disse Bolsonaro em transmissão em sua página oficial no Facebook, arrancando risos de seus militantes. O jornal O Estado de S. Paulo também não compareceu nesta terça-feira.
Em seguida, ao ouvir explicação de um jornalista sobre a decisão de alguns veículos de não estar ali por questão de segurança, Bolsonaro atacou esses grupos de mídia.
"Estão se vitimizando. Quando eu levei a facada, eles não falaram nada. Não vi a Folha falando quem matou o Bolsonaro", disse o presidente.
Ao contrário do informado pelo chefe do Executivo, a Folha de S.Paulo se manifestou editorialmente de maneira imediata, condenando o ato de violência contra o então candidato.
No editorial intitulado "Repúdio Geral", o jornal afirmou, em 7 de setembro de 2018, que o "atentado contra Bolsonaro não tem acolhida num país que está comprometido com a democracia".
Bolsonaro em seguida argumentou que nunca promoveu nenhum ato contra a mídia e que defende uma imprensa livre. "Nunca persegui ninguém, mas o ditador sou eu", disse.
Horas depois, em rede social, o presidente escreveu que "Globo, Folha e semelhantes decidiram não ir mais ao Alvorada para, em seguida, distorcer o que falo. Que pena!". "A partir de agora apenas inventarão", acrescentou.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, afirmou em rede social que "é chocante a decisão da Folha e da Rede Globo de suspender a cobertura no Palácio da Alvorada diante de riscos à integridade moral e física dos jornalistas. O Ministério Público e o Judiciário devem investigar esses atos que, se existentes, configuram atentado grave à liberdade de imprensa".
Também na terça-feira, o GSI informou em nota que continuará aperfeiçoando a segurança do local.
"Continuaremos aperfeiçoando esse dispositivo, para que o local permaneça em condições de atender às expectativas de trabalho e de livre manifestação dos públicos distintos que, diariamente, comparecem ao Palácio do Alvorada", afirma o texto.
Na nota, o GSI afirmou avaliar "ininterruptamente as condições de segurança dos locais onde o presidente esteja ou possa vir a estar". "Em decorrência desta avaliação, implementa as medidas necessárias e suficientes para garantir a segurança adequada."
O órgão também lista algumas medidas que foram adotadas na área em frente à residência oficial, onde tanto apoiadores quanto repórteres comparecem diariamente para acompanhar a saída e a entrada de Bolsonaro.
Entre as ações, há a separação física, por meio de gradis, dos locais destinados para os visitantes e repórteres; registro e inspeção dos presentes, inclusive com detector de metal; orientação quanto ao uso de equipamentos de proteção individual contra a disseminação do novo coronavírus; e presença de agentes de segurança.
Com a escalada de hostilidades, o GSI havia instalado duas grades, com espaço de uma pessoa em pé entre elas, para separar os dois grupos. O reforço da proteção, no entanto, foi removido e, nos últimos dias, há apenas uma grade e uma fita de contenção, ignorada pela claque.