Tenho a impressão de que, nessa época, os jovens se tornaram moralistas sórdidos. Ou será que sinto isso só porque não sou mais jovem? Será que a juventude sempre foi moralista sórdida, inclusive nos tempos em que fazia parte dela, mas me faltava distanciamento crítico?
Talvez.
Jovens têm o dom de se apaixonar por causas, e elas acabam se transformando na razão de suas vidas, e ninguém é mais fanático do que um jovem fanático.
A História entrega vários exemplos dessa verdade. Há mil anos houve a Cruzada dos Meninos, hordas de crianças cristãs fundamentalistas que tentaram atravessar o mundo para lutar contra os muçulmanos. Não conseguiram, é claro.
Modernamente, quem aproveitou bem esse potencial da juventude foi o inglês Baden-Powell. No século 19, ele era o comandante de uma cidade que foi cercada pelos bôeres na África do Sul. O sítio durou mais de sete meses, e os recursos da cidade começaram a escassear. Baden-Powell resistia graças a artifícios criativos, um deles a convocação de meninos a partir de nove anos de idade para trabalharem como mensageiros. BP percebeu que os meninos eram muito úteis, porque não tinham laivo de medo dos enormes riscos que corriam. Assim, criou uma brigada infantojuvenil que teve muito sucesso e que foi o embrião do escotismo.
Os objetivos do escotismo nunca foram belicosos, a ideia era gerar crianças autossuficientes em meio à natureza, mas Hitler distorceu esse modelo para instituir a Juventude Hitlerista. Que também deu certo. Os jovens nazistas eram tão devotados que não hesitavam em denunciar os próprios pais, se suspeitassem que eles eram contra algum dos preceitos do führer.
Não muito depois, Mao Tsé-tung criou a famigerada Guarda Vermelha, composta basicamente por estudantes, com a intenção de combater o que ele chamou de "Quatro Velhos": a velha cultura, as velhas ideias, os velhos hábitos, os velhos costumes. Esses pelotões de jovens eram o horror dos adultos, sobretudo dos intelectuais. Quando um professor, por exemplo, era identificado como antirrevolucionário ou apenas indiferente à revolução, era humilhado publicamente até "se reeducar".
Essas ações alucinadas dos jovens sempre são justificadas por novos moralismos. Eles querem mudar o mundo, querem fazer com que a sociedade evolua e, nessa ânsia, tentam retirar do caminho tudo o que julgam velho, obsoleto e atrasado. Suas bandeiras, se você as mira desfraldadas, são dignas: a grandeza de uma nação, o igualitarismo comunista, a salvação da cristandade. No século 21, suas razões também são nobilíssimas, como a defesa dos direitos de mulheres, gays, negros e pobres. Tudo seria muito lindo, se não fosse feito de forma excludente, agressiva e arrogante, como soem fazer os fanáticos.
O novo moralismo, cheio de boas intenções, é assustador na prática. É um moralismo sórdido. Jovens idealistas, que se levam muito a sério, acreditam com seriedade que estão mudando o mundo. E estão mesmo. A prova está em Brasília, vestindo camisa de time no Palácio do Planalto: o bolsonarismo é o filho dileto dos novos moralistas do Brasil.