Cultivado diariamente por cerca de 20 pessoas instaladas nos arredores da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, o acampamento 300 do Brasil – movimento que estimula a desobediência civil e apoia Jair Bolsonaro – é alvo de ação civil ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal. O órgão pede seu desmantelamento e identifica a existência de um grupo armado. Em documento encaminhado à Vara de Fazenda Pública da Justiça do DF, os promotores Flávio Augusto Milhomem e Nísio Tostes Ribeiro Filho classificam os ativistas como uma “milícia” com base em declaração da coordenadora Sara Winter – ela reconhece que há pessoas armadas no acampamento.
Os integrantes do movimento, segundo a ação encaminhada à Justiça, representam “inequívoco dano à ordem e segurança públicas”, tanto pela aglomeração de pessoas em meio à pandemia de coronavírus quanto pela posse de armas de fogo em possível situação irregular. Em entrevista ao site BBC Brasil, cujo link consta na ação, Sara Winter, nascida Sara Geromini, disse que o armamento está em situação regular e serve para a proteção dos próprios membros do acampamento.
O Ministério Público do Distrito Federal pede à Justiça que o governador Ibaneis Rocha aplique sanção administrativa quando houver infração às medidas de distanciamento social. Também solicita ao Judiciário que haja “desmobilização” do acampamento e que sejam realizadas revistas, além de busca e apreensão para encontrar armas não registradas ou localizar pessoas que não tenham autorização para porte.
O grupo se instalou no estacionamento do Ministério da Justiça e da Segurança Pública, no Eixo Monumental, em Brasília, em 1º de maio e, desde então, vêm participando de atos em apoio ao presidente da República. De acordo com publicações realizadas nas redes sociais, o acampamento só terminará quando “Maia e Alcolumbre caírem, quando o STF entender que deve respeitar a plena tripartição de poderes, quando governadores e prefeitos respeitarem o pacto federativo e quando houver governabilidade para o poder Executivo”. Em diversos atos na capital do país, participantes pediram o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal Federal (STF), o que fere a Constituição Federal.
Desde o início do mês, o grupo tenta instalar barracas no gramado central da Esplanada, em frente ao Congresso Nacional, mas foram barrados pela Polícia Militar do Distrito Federal. Então, segundo relatos de Sara Winter, eles passam a noite em sacos de dormir “ao relento”, no mesmo gramado. O acampamento é identificado por uma faixa branca com cerca de cinco metros de largura e com a inscrição em preto “300 do Brasil”. É formado por homens e mulheres de diversas idades e locais – alguns vestem roupas camufladas parecidas com as do Exército, e outros, camisetas verde e amarela. Segundo publicações no Instagram, o nome foi escolhido por causa dos “300 de Gideão”, do antigo testamento da Bíblia, e dos “300 de Esparta”, a batalha das Termópilas, história de 480 a.C baseada no heroísmo de três centenas de guerreiros contra o Exército persa de 300 mil homens.
É necessário ser maior de idade e ter ficha limpa na polícia para participar, além de disponibilizar o perfil para uma análise das atividades em redes sociais a fim de evitar “infiltrados”.
Plantão no Alvorada e vaquinha online
Os participantes não têm uma rotina pré-definida. Geralmente, pela manhã, parte vai até o Palácio da Alvorada tentar conversar com Bolsonaro nas rápidas paradas do chefe do Executivo na portaria, pouco antes de sua ida ao Planalto. À tarde, eles costumam se reunir sentados em cadeiras de praia em volta de uma van estacionada no Ministério da Justiça. Lá, tomam café da manhã, almoçam, lancham e jantam com alimentos comprados por meio de uma vaquinha virtual que até agora já arrecadou R$ 71 mil. Na segunda-feira (11), receberam a visita da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), que conheceu os participantes, incentivou o ato e agradeceu o empenho dos militantes. Também convidou simpatizantes de Bolsonaro a participarem de uma “grande manifestação de apoio ao presidente” no dia 17 de maio. Os militantes costumam integrar os protestos e carreatas favoráveis ao governo federal aos domingos.
Na semana passada, a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen pediu à Procuradoria do Distrito Federal uma apuração acerca do acampamento e de possível ameaça à segurança nacional. Munida de postagens realizadas em redes sociais, onde participantes relatam tentativa de “exterminar a esquerda”, a subprocuradora acredita que o mesmo grupo esteja instalado em outros lugares do país proporcionando treinamento bélico a militantes. A procuradoria do DF devolveu o documento pedindo que o procurador-geral da República, Augusto Aras, incluísse essa investigação no procedimento já aberto para apurar atos antidemocráticos no país e verificar se pessoas com foro privilegiado estão atuando ou financiando esses possíveis treinamentos. Inquérito instalado por Aras em 27 de abril quer saber quem organizou e financiou os atos de 19 de abril realizados em diversos Estados e nas proximidades do Palácio do Planalto. Faixas e cartazes pediam intervenção militar, o fechamento do Supremo e do Congresso e um novo AI-5. Por enquanto, não houve resposta a esse último pedido, que ainda está sendo analisado pelo procurador-geral.
A organizadora do acampamento já disse publicamente que os ministros do STF devem ser removidos da Corte “pela lei ou pelas mãos do povo”. Ao responder a uma pergunta de um simpatizantes do 300 do Brasil de como poderia ajudar, ela escreveu: “Vida intelectual + desobediência civil”. GaúchaZH tentou entrar em contato com Sara Winter, mas ela não quis conceder entrevista por telefone. Depois de pedido da ativista, a reportagem encaminhou perguntas por escrito, via WhatsApp, mas não obteve retorno após seguidas tentativas.