Sabe o que vai acontecer agora, com a saída de mais um ministro da Saúde, depois de 28 dias desde a sua nomeação?
Nada.
Não fará a menor diferença.
O ex-ministro pediu demissão porque Bolsonaro queria que a cloroquina fosse recomendada pelo governo como tratamento miraculoso contra a covid-19, com o que ele não concordava. O novo ministro, obviamente, fará o que Bolsonaro quer: recomendará a cloroquina como tratamento miraculoso contra a covid-19. E os médicos, nos hospitais, ao pé da cama dos doentes, o que farão, por sua vez? Nada. Estarão pouco se lixando. Os médicos farão tão somente o que acharem correto e bom para seus pacientes, sem dar a mínima atenção para os desejos de eventuais ministros da Saúde ou do presidente da República.
Já os 27 governadores e os milhares de prefeitos de todo o país continuarão fazendo o que faziam: tomando suas decisões independentemente do que pensa ou pretende o presidente da República.
Bolsonaro conseguiu essa façanha com sua gestão errática: tornou-se irrelevante. Pela primeira vez, na história mais que centenária da República, o que um presidente diz ou faz não tem a menor importância.
Nenhuma liderança responsável se guia pelo que pensa Bolsonaro, porque ele afronta o senso comum. Tome a questão da cloroquina. Se esse remédio de fato curasse a covid-19 de forma indubitável, por que os médicos não o recomendariam com entusiasmo? Por que os dois ex-ministros da Saúde, que são médicos, não cederiam à vontade do presidente, sugerindo seu uso indiscriminado em todo o país? Por que a cloroquina não seria reconhecida como cura desta doença em alguma parte do mundo, em qualquer parte do mundo, uma só?
Por quê?
Não existe lógica nessa teimosia de Bolsonaro. O que existe é ignorância e, quando falo em ignorância, não estou chamando o presidente de estúpido. Estou dizendo que ele ignora o assunto do qual está tratando, este assunto grave, que é a pandemia mundial. Ele não entende do tema e, pior do que isso, não aceita a opinião de quem entende.
A propósito: do que entende Bolsonaro? Ele já admitiu de sobejo que não entende de economia, e o reconhecimento até é um ponto a seu favor. Quando deputado, não apresentou um único projeto relevante a respeito de qualquer assunto. Antes de se eleger, foi um militar medíocre. Segundo o general Geisel, “um mau militar”. Como político, não liderou nenhuma bancada, nenhum partido, nada.
Bolsonaro parece competente apenas em protagonizar conflitos. Seu grande mérito, a razão da sua eleição para a Presidência, foi o confronto. Foi dizer não: não ao PT, não ao politicamente correto e, supostamente, não à corrupção.
Bolsonaro se apresentou como antissistema, e ele é mesmo isso. Bolsonaro é antipolítica, porque a política é a arte do diálogo, da negociação e da convergência, o que ele não consegue fazer. Bolsonaro é antiliderança, porque o líder agrega, enquanto ele é um desagregador por natureza. Bolsonaro é um antipresidente.
Num momento de crise planetária, de sofrimentos e incertezas, em que a população deveria estar caminhando na direção do mesmo rumo, o presidente da República, em vez de ser um farol, é uma fonte de insegurança.
Bolsonaro só não será responsável por uma terrível mortandade no país porque os governadores transformaram o Brasil numa federação de fato, e não apenas de direito. Os Estados tomaram o volante do carro desgovernado nas mãos e o estão conduzindo por conta própria. Bolsonaro? Está esperneando no banco de trás. Mas ninguém lhe dá ouvidos, ninguém está interessado em sua opinião. Bolsonaro pode trocar quantos ministros quiser, pode dar palpites sobre assuntos que desconhece, pode tuitar à vontade, fazer lives com camisa de time, participar de manifestações a favor da ditadura ou gritar impropérios nas coletivas. Ninguém se surpreenderá. Ninguém se abalará. Ninguém realmente o leva a sério.