O dia havia começado tranquilo no mercado financeiro, com o dólar recuando pela primeira vez desde 8 de maio para um patamar abaixo de R$ 5,80. A bolsa operava em ligeira alta, tentando recuperar o nível dos 80 mil pontos. Assim que foi anunciada a saída do ministro da Saúde, Nelson Teich, ambos mudaram de rumo. O dólar fechou em R$ 5,839 e a bolsa caiu 1,84% na sexta-feira (15). Além da segunda troca no comando do ministério em menos de um mês, há incerteza sobre o futuro da economia com o risco de mudança drástica na estratégia de combate à pandemia.
Para Rafael Ribeiro, analista Clear Corretora, apesar de não ter sido uma surpresa, a demissão do ministro agravou a instabilidade política, aumentando a preocupação do investidor. Pondera que, a partir de agora, o mercado vai monitorar a relação política do governo com a base que está montando com o "centro". Um dos motivos de calmaria no mercado era a aproximação do presidente Jair Bolsonaro com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no dia anterior. Depois da nova troca na saúde, diz que se esse elo ficar fraco mais uma vez, o dólar deve rondar a casa de R$ 6.
Enquanto o ministro se despedia, o ex-presidente do Banco Central (BC) Armínio Fraga falava em uma teleconferência da Columbia Global Centers no Rio de Janeiro. Indagado sobre o rumo do câmbio, reforçou que está muito mais movimentado "ao som da política" do que das dificuldades da economia:
- O Brasil é visto como um dos países mais frágeis, também pela debilidade já existente antes mas sobretudo pela falta de uma estratégia maior de enfrentamento da crise sanitária.
Segundo Armínio, um dos fatores que eleva a percepção de risco sobre o Brasil é a "relação com a democracia que deixa a desejar" por parte do governo. O ex-presidente do BC afirmou que a projeção de consenso para a queda do PIB do pais neste ano é de 6%, mas ele não se surpreenderá se chegar a 8%:
- Temos um enorme trabalho em circunstâncias adversas. Dizendo isso, parece muito negativo, mas na verdade sou mais otimista. Não vejo como abrir (permitir a volta às atividades de forma generalizada) agora. Inclusive, do ponto de vista social é cruel, porque quem vai se expor é quem menos pode. Mas temos de fazer um trabalho de forma organizada, para que depois, à medida que surja uma luz no fim do túnel na saúde, o que pode ocorrer ainda neste ano, seja possível criar esperança.
Cresce entre analistas, investidores e especuladores do mercado financeiro, empresários e economistas ortodoxos a percepção de que a crise política protagonizada por Jair Bolsonaro aprofunda as dificuldades da economia decorrentes da pandemia e de sua mais reconhecida forma de prevenção, o isolamento social. Na semana passada, o presidente da associação das montadoras, a Anfavea, Luiz Carlos Moraes, afirmou que parte da desvalorização do real decorre dos sucessivos conflitos abertos pelo presidente.