Bem que podia me exibir aqui, dizendo que fui palestrante em Harvard.
E sabe por que podia dizer que fui palestrante em Harvard?
Porque fui palestrante em Harvard.
Sério.
Uma vez, um brasileiro organizou uma espécie de seminário sobre futebol em Harvard e convidou dois jornalistas que moravam nos Estados Unidos para falar acerca do tema: eu e meu amigo Sérgio Rangel, um dos maiores repórteres de esporte do Brasil, então morando em Michigan.
Na data aprazada, lá fomos nós, eu e o Rangel, rumo à consagração. No caminho, ia pensando: "Nossa, Harvard me convidou para dar uma palestra. Harvard! Minha mãe vai ficar orgulhosa".
Cambridge fica bem perto de onde vivia, a uns 15 minutos de distância. Cheguei ao campus, acessei o prédio da faculdade que sediaria o evento, mas tive certa dificuldade para achar o salão em que ocorreria. Não havia nenhum cartaz comunicando algo a respeito. Na recepção, ninguém tinha qualquer informação a propósito de algo parecido. Que estranho...
Depois de muito vagar pelo local, enfim encontrei uma sala onde se espalhavam uns 30 alunos, quase todos brasileiros. Éramos meia dúzia de "palestrantes". Cada um falou durante alguns minutos, depois travamos um pequeno debate, tipo Sala de Redação com menos ênfase e, em duas horas, estávamos sentados no entorno de uma mesa de um ótimo restaurante italiano que havia na Newbury Street.
Durante o jantar, um dos participantes do encontro repetia:
– Agora nós podemos dizer que palestramos em Harvard.
O detalhe é que o organizador do evento conseguiu convencer dois ou três dos principais jornais do Brasil e enviar repórteres para cobrir o "acontecimento". No dia seguinte, lá estavam as notas informando que Harvard realizara um seminário para discutir o futebol brasileiro. Uau, o que será que Harvard tinha a dizer sobre o futebol brasileiro? Certamente seria uma conclusão definitiva.
Cá para nós: foi algo sem nenhuma relevância e sem nenhuma consequência. Alguém conseguiu uma sala na universidade e chamou algumas pessoas para falar sobre um assunto do qual elas entendiam e pronto, acabou ali. Palavras ao vento.
Só que vale currículo. Posso muito bem chegar numa mesa da noite, um dia desses, e contar, meio que casualmente:
– Quando eu palestrava em Harvard, uma vez chegou uma aluna e perguntou...
Eu ia me dar bem. Por quê? Por causa da palavra mágica: "Harvard".
Não é por acaso que o mundo inteiro respeita essa universidade. Seu orçamento é o maior do planeta, maior do que muitas grandes cidades: 37 bilhões de dólares por ano. Por lá já passaram oito presidentes dos Estados Unidos e dezenas de Prêmios Nobel, li em algum lugar que foram mais de 150. Harvard é coisa séria. Então, se você usa o selo "Harvard", ganha, de imediato, credibilidade. Se Harvard diz que é, é.
Mas Harvard é todo um mundo. Por aquela vasta universidade há diversos tipos de departamentos e de seções, há iniciativas de alunos pipocando por toda parte, há professores visitantes, cursos de um único fim de semana de duração e até palestrantes distraídos, que foram chamados para algum seminário apenas porque estavam à mão, como eu.
Assim, embora Harvard seja um monumento à educação mundial, o que é feito ou dito com seu carimbo também merece análise e questionamento. Como o famoso estudo divulgado recentemente acerca do coronavírus, advertindo que tipos de isolamento social podem ser estendidos até 2022. Uma notícia dessas, recortada, tirada da abrangência do estudo, pode fazer com que gente pense em se atirar no Arroio Dilúvio. Imagine, ter que ficar em confinamento por mais dois anos! Mas, se você der uma olhada no estudo, ou nas análises sobre ele, verá que os pesquisadores colocaram ali punhados de "se", de "pode ser", de "talvez", de "há chance". Eles não têm certeza de nada. Eu, de pelo menos uma coisa, tenho: não vai haver isolamento até 2022. Pode acreditar em mim. Palavra de palestrante de Harvard.