Secretamente, no fundo da alma, ou talvez nem tão fundo assim, alguns políticos estão adorando a oportunidade que o coronavírus lhes dá de exercer o seu autoritarismo. Que delícia poder mandar fechar, poder proibir as pessoas até de sair às ruas. Outro dia, tiraram um surfista de dentro d'água. De dentro do mar! Peixes podem pegar o coronavírus?
Nos tempos da ditadura, quando a polícia avistava um bolinho de gente, já vinha de lá de cassetete na mão, anunciando:
- Mais que dois é comício!
E mandava dispersar.
Comício não podia, todo ajuntamento era perigoso. Agora, essa emergência fornece aos candidatos a ditador o gostinho doce de ordenar sem ter quem questione.
Mas atenção: não estou dizendo que não deva haver isolamento no combate à doença. É importante deixar isso bem sublinhado, porque o confinamento foi politizado no Brasil. Sou a favor do isolamento, certo? A favor. Estou apenas assistindo, e achando divertido, ao afloramento dos instintos primários da classe política.
Porque eles, ou quase todos eles, o que eles queriam mesmo era decidir o que as outras pessoas têm de fazer. É algo intrínseco à personalidade de quem exerce um cargo político, esse fetiche pelo poder. É algo sexual, é uma ânsia de dominação, de sentir o prazer orgásmico de submeter o outro à sua vontade. Quase posso ver uns e outros de cinta-liga e chicotinho na mão.
O que vai acontecer com eles, depois que a pandemia se dissolver e, com ela, forem dissolvidos seus poderes discricionários especiais? Que frustração os abaterá, que angústia de coitus interruptus, que suplício de Tântalo.
Tântalo, o professor Cláudio Moreno poderia explicar melhor sobre Tântalo, mas, mesmo não tendo sua ciência, tentarei explicar também: Tântalo se dava bem com os deuses e volta e meia jantava com eles. Isso só era possível porque era um dos tantos filhos bastardos de Zeus, que vivia se espadanando com as mais belas dentre as humanas, o que me faz pensar que, se Zeus conhecesse Charlize Theron, daria um jeito de ter um filho com ela. Como seria o semideus gerado por Zeus e Charlize? Pense nisso.
Bem.
O cardápio dos deuses era um só, para todo o sempre: a ambrosia, que era nove vezes mais doce que o mel (argh), regada a néctar, que só podia ser bebido em cálices de ouro.
Comer ambrosia e beber néctar era tão bom que fazia a pessoa se sentir feliz, feliz. Por isso, Tântalo resolveu roubar o néctar e a ambrosia, e assim o fez. Então, convidou os deuses para um jantar que ele mesmo prepararia, o que já foi uma temeridade. Mas, como suprema sacanagem, matou seu próprio filho, Pélops, esquartejou-o, fez picadinho com sua carne, temperou-a, cozinhou-a com cebola e alho, e serviu aos deuses. Por que Tântalo fez isso, não consigo entender. Gostaria que o professor Moreno esclarecesse. O fato é que, embora uma das deusas, Deméter, tenha distraidamente comido um pedaço do ombro de Pélops, os deuses descobriram a pegadinha, ressuscitaram Pélops e mandaram Tântalo direto para o Tártaro, o inferno grego, onde cumpriria uma sentença eterna e terrível: sentiria sede e fome extremas, mas, quando tentasse beber das águas frescas do rio que lá havia, as águas recuariam e, quando tentasse colher os frutos que se ofereciam das árvores, os galhos se ergueriam. E assim ficou Tântalo desde aquela época até hoje, se você for ao Tártaro poderá vê-lo sofrendo por ter os objetos de seu desejo tão perto, e ainda assim tão inatingíveis.
Esses serão os políticos depois da pandemia. Famintos por mandar, sedentos por proibir, mas impedidos pela democracia, a democracia é mesmo uma obra dos deuses.