Qual será o impacto do coronavírus na América Latina, uma região onde a desigualdade econômica, sistemas de saúde precários e populismos costumam gerar tragédias diárias? Se olharmos os dados oficiais da Organização Mundial da Saúde (OMS), México, América Central e Caribe e América do Sul contam juntos mais casos da doença do que a África, onde a subnotificação, as grandes áreas de deserto e florestas tropicais e as reduzidas áreas de aglomerações urbanas são hipóteses para a pouca expansão da covid-19.
Brasil, Chile, Peru, Argentina e México não a toa são as nações do lado de cá do Atlântico com mais registros do vírus. São também as nações mais populosas – junto com Colômbia e Venezuela. Depois da Europa rica, a chegada do vírus no subcontinente americano testa a ação de governos que, até poucos dias atrás, estavam pressionados por crises internas – no Equador, o presidente Lenín Moreno quase caiu por conta do aumento dos combustíveis, no Peru, o presidente Martín Vizcarra trava uma queda de braço com o Congresso, na Venezuela de dois presidentes, Nicolás Maduro se apega ao poder enquanto a população, mesmo antes do coronavírus, já enfrentava escassez de medicamentos em farmácias, na Bolívia, a crise foi aberta pelo afastamento de Evo Morales e a ascensão pouco legítima de Jeanine Áñez, no Chile, a revolução inacabada dos jovens que questionam o modelo neoliberal – entre eles, o da saúde – levaria o país a discutir uma nova Constituição em abril – provavelmente o referendo será adiado. Embora cada crise tenha sua origem específica, a polarização política é comum a todos.
Em comum também os populismos habituais: o gesto do presidente Jair Bolsonaro, que desconsiderou recomendações de autoridades de saúde para abraçar e tirar selfies com apoiadores em frente ao Planalto, no domingo, encontrou imitador a altura na outra ponta do espectro político. No México, o presidente de esquerda Manuel López Obrador fez praticamente o mesmo: beijou e se deixou fotografar ao lado de simpatizantes em uma caravana pelo interior do país.
Afora gestos caricatos, o enfrentamento da doença tem sido liderado por governos que, acertadamente, anunciaram medidas drásticas. O movimento de fechamento de fronteiras começou com a Argentina, que anunciou, ainda no domingo à noite, a interrupção das fronteiras aos estrangeiros por pelo menos 15 dias e o cancelamento dos voos provenientes da Europa e dos Estados Unidos por um mês. Na sequência dos argentinos, outros governos anunciaram medidas mais duras para tentar conter a disseminação da doença, como Chile, Honduras, Peru. Na Colômbia, onde o número de infecções praticamente dobrou entre o sábado e o domingo, a partir desta segunda-feira esta proibida a entra de estrangeiros no país. O governo do Equador divulgou que a circulação de veículos e pessoas está restrita em todo país.
Na segunda-feira (16), chefes de Estado de países do âmbito da Prosul – bloco criado no ano passado pelos governos de direita e centro-direita do subcontinente – fizeram uma teleconferência em que acertaram medidas conjuntas como possibilidade de facilitar a circulação de medicamentes entre os seus territórios e melhorar os controles sanitários nas fronteiras terrestres. Bolsonaro foi representado pelo chanceler Ernesto Araújo. Participaram os presidentes Alberto Fernández (Argentina), Martín Vizcarra (Peru), Mario Abdo Benítez (Paraguai), Sebastián Piñera (Chile), Lenín Moreno (Equador), Ivan Duque (Colômbia) e Jeanine Añez (Bolívia). À direita e à esquerda, foi um raro, saudável e necessário momento de união de esforços no normalmente fragmentado subcontinente.