O mundo não voltará a ser o mesmo depois da pandemia, é o que todos dizem.
Será?
Não tenho tanta certeza.
Outro dia mesmo vi a postagem de um militante de esquerda prevendo que o capitalismo será destruído pelo coronavírus. Por quê? Não consigo ver lógica nessa profecia, além da vontade do profeta. Desta vez, o capitalismo é inocente.
O que aconteceu, para que estejamos metidos nessa enrascada? Ora, teve um chinês que gostava de tomar sopa de morcego. Onde já se viu uma coisa dessas? Bom, ele gostava, paciência. Aí ele foi a uma feira em Wuhan e comprou um morcego para fazer sopa, o morcego tinha coronavírus, o coronavírus deu um jeito de se adaptar para invadir as células do chinês, invadiu-as e, pronto, estava feita a confusão planetária, gente morrendo, gente desempregada, meio mundo trancado em casa. Por quê? Por causa do capitalismo? Não: por causa do péssimo gosto gastronômico de um chinês.
A propósito, tenho cá nas minhas estantes um livro de crônicas da Xinran, aquela chinesa que escreveu As Boas Mulheres da China. Depois do sucesso deste livro, ela foi convidada pelo jornal inglês The Guardian a escrever a cada 15 dias uma coluna sobre a cultura chinesa. São esses textos que viraram o volume de que falo. O título é: O que os Chineses não Comem.
E o que eles não comem?
Bem, num dos seus artigos, Xinran relata o diálogo travado entre uma ocidental e um chinês durante uma festa em Londres. A ocidental pergunta:
– Você poderia dizer o que os chineses não comem?
– Posso responder o contrário? – rebate o chinês.
– Sim, é claro. Você pode dizer o que os chineses comem?
– Escute com atenção. Tudo o que voa no céu e você pode ver, exceto aviões; tudo o que nada no rio e no mar, exceto submarinos; tudo o que tem quatro pernas sobre a terra, exceto mesas e cadeiras. É isso que nós comemos.
Sopa de morcego, portanto, é batatinha frita para chinês.
Mas acho que talvez isso esteja entre as mudanças. Talvez as autoridades mundiais se tornem mais atentas às necessidades calóricas e aos hábitos de higiene dos povos. Espero que sim.
A propósito de hábitos de higiene, eis outra provável mudança. Nós nunca mais vamos lavar as mãos como lavávamos antes. É que, fala a verdade, nós não lavávamos como tem de ser, não é? Às vezes, só dávamos uma passadinha d'água e pronto. Mas depois do corona seremos mais asseados. Investir em fábricas de sabonete será grande negócio, a partir de agora.
O que mais? O home office está consagrado, sem dúvida. E muitos sentirão nojinho de apertar as mãos, ao se cumprimentar. Teremos também algumas outras novidades localizadas, uma que outra evolução, um que outro retrocesso, mas acredito que não será desta vez que alcançaremos a redenção da Humanidade. Olhe para os países disputando máscaras cirúrgicas e testes de imunização, olhe uma espécie de novo nacionalismo brotando da ignorância. Não, não, nosso egoísmo continua firme. Melhor pensarmos no grande Réveillon que teremos em dezembro. Será imensa a alegria, será inesquecível a festa. Porque, melhor do que sensação de viver, só mesmo a de sobreviver.