Os médicos estão alertando que não é a sopa de morcego que transmite o coronavírus, e sim a manipulação do morcego para se fazer a sopa. Quer dizer: você pode tomar sua sopa de morcego descansado, mas cuide-se com o espirro do cozinheiro.
Sopa de morcego, credo. Os chineses são dados a ousadias gastronômicas. No sul da China corre um ditado que diz que eles comem “tudo que tem quatro pernas e não é mesa, tudo que voa e não é avião, tudo que nada e não é navio”.
Quando estive lá, na Olimpíada de 2008, vi gafanhotos e escorpiões secos sendo vendidos nos mercados como iguarias típicas. Devo confessar que mesmo a minha profunda paixão pelo jornalismo e por vocês, amados leitores, foi insuficiente para me convencer a provar aquelas coisas a fim de escrever a respeito no jornal.
A verdade é que já então meus critérios alimentares estavam se tornando mais rígidos. Consequência da idade, suponho. Tempos atrás, me entregava a temerárias aventuras culinárias. Na Copa de 2002, por exemplo, sentamos à mesa de um restaurante coreano em que o garçom nos serviu bichos marinhos vivos. Um pequeno polvo, ou algo que o valha, veio esperneando para a mesa. O garçom amputou uma de suas pernas bem na nossa frente e nos ofereceu na ponta de um garfo, depois de untá-la em molho vermelho agridoce. Comi sem medo e até julguei ter sentido o tremor da perna do polvo sobre a língua, antes de mastigá-la com denodo. Porém, um dos colegas que nos acompanhava, um carioca, era mais sensível. Levantou-se, inchado de indignação, e protestou:
– Imagina se um gigante viesse e cortasse as pernas e os braços de vocês e desse pra outro gigante comer!
E se foi embora, esbravejando.
Não tive problemas com aquele almoço, mas nem sempre as comidas orientais me fizeram feliz. Não raro deparei com pratos apimentados além de qualquer limite razoável. Não entendo como malaios, tailandeses, coreanos e indianos conseguem sentir prazer com tamanho nível de ardência. Em compensação, algumas de suas outras comidas não têm gosto algum. No café da manhã, os chineses comem um bolinho branco que tem a consistência e o sabor da borracha. Um chinês me disse que a gente deve comer aquilo com água morna. Estranhei:
– Você quer dizer chá?
– Não. Água morna. A água morna é importante para a saúde. O barco só navega se tiver água, e a água morna é a melhor água para o barco navegar.
Comer bem une famílias, fortalece amizades e preserva vidas.
Você entendeu o que ele quis dizer com “barco”, evidentemente.
Talvez os chineses sejam mesmo sábios em questões de saúde. Devem ser, ou não haveria tantos deles no mundo. Ainda assim, me tornei resistente a certos orientalismos culinários, salvo a mais suave e mais refinada comida japonesa. E mesmo na segurança de um restaurante ocidental evito exotismos. Certa feita, na Itália, me serviram um bife e estranhei o gosto forte. Perguntei o que era. E eles, com a maior naturalidade:
– Carne de cavalo.
Bárbaros!
Não, isso não é para mim. Prefiro manter distância de comidas esquisitas. Se todos fizessem o mesmo, inclusive os chineses, não haveria coronavírus a atormentar os aflitos humanos. É o que digo sempre: comer bem une famílias, fortalece amizades e preserva vidas. Entregue-se a uma boa refeição com calma e critério. Você pode ficar mais pesado de corpo, mas ficará mais leve de espírito. O que, se não salva o mundo, pelo menos torna-o um lugar mais agradável de se viver.