Nós estamos em meio a uma peste e estamos perplexos, como se vivêssemos nas trevas da Idade Média. Pessoas estão morrendo todos os dias, certamente mais pessoas morrerão e nós não temos ideia de quantas poderão ser. São problemas bastante grandes e profundos para ocupar nossas cabeças e concentrar nossas energias em período integral.
Só que, no Brasil, não é isso que acontece. A começar pelo presidente da República. Bolsonaro está preocupado com a reabertura da economia. Legítimo. Todos os chefes de Estado do planeta partilham dessa preocupação. Vi, por exemplo, a chanceler da Alemanha, Angela Merkel, falando a respeito, dias atrás. Baseada em dados claros, científicos e precisos, ela explicou qual é a taxa de contaminação atualmente no país, que é de um por um. Ou seja: cada pessoa infectada contamina outra. Merkel demonstrou que, se esse índice subir 10%, o sistema de saúde alemão, que é um dos melhores do mundo, se esgotará em outubro. Em seguida, fez outras projeções, supondo que o contágio subisse 20% e depois 30%. Tudo muito direto e racional, sem considerações de ordem moral e muito menos ideológica.
Merkel sabe exatamente qual é a situação do país e o que fazer se o quadro se agravar. Ela tem uma estratégia, como se fosse um general diante do inimigo.
Bolsonaro se orgulha de ser ex-militar, mas não tem estratégia para lutar essa guerra. Ele quer que o comércio abra, que as crianças voltem às escolas e que as pessoas saiam às ruas como se a doença não estivesse cobrando o seu preço. O problema é que está. Países que adotaram tamanha liberalidade pagaram caro e seus governantes hoje estão arrependidos.
Eu também quero que a vida volte ao normal. Todos queremos. Mas temos de saber como fazer isso. Cabe aos nossos líderes traçar um plano coerente, prático e fundamentado em informação, não em palpite ou desejo.
Há várias desgraças que se abatem sobre o Brasil, num momento grave como esse. Uma, em especial, acentua todas as outras: a tacanha polarização entre petistas e bolsonaristas. Esses dois grupos populistas se comportam da mesma forma e interpretam o mundo pelo mesmo viés. Para eles, quem critica o PT apoia Bolsonaro; quem critica Bolsonaro apoia o PT. É uma maldição, porque esse tipo de raciocínio entorta qualquer análise, de qualquer questão. É isso que faz com que o método de combate a uma pandemia, que deveria ser uma discussão de saúde, se transforme em uma discussão de política.
Nós não precisamos de política numa hora dessas. Não precisamos de pregações de esquerda ou de direita, nem de gente batendo no peito, de fanfarronice ou de arroubos. Nós não precisamos de mitos ou de pais dos pobres. Precisamos de conhecimento e de informação para basear nossas decisões. Precisamos de cautela. De ponderação. De parcimônia.
Falta-nos tudo isso. Falta-nos cabeça, sobra-nos coração, como já ensinou Sérgio Buarque de Holanda. Somos todos coração. O que pode ser lindo, se o tempo é de lazer. E trágico em tempos de perigo.