Há menos de duas semanas, escrevi uma crônica debaixo do seguinte título:
Esperava que a confirmação da minha análise se desse em alguns meses, possivelmente até o fim do ano. Mas Bolsonaro não cessa de nos surpreender com sua fúria autodestrutiva. Primeiro, demitiu o ministro da Saúde em meio à maior crise sanitária da história da humanidade nos últimos cem anos. Depois, forçou a demissão do seu ministro mais popular, Sergio Moro, por motivos, no mínimo, escusos.
Bem.
Quando Moro aceitou o cargo na pasta da Justiça, há cerca de um ano e meio, tomou uma decisão muito ruim para ele, mas muito boa para Bolsonaro. Nesta sexta-feira (24), ao deixar o cargo, Moro tomou uma decisão ótima para ele e péssima para Bolsonaro.
Moro saiu de forma impoluta, de queixo erguido, reafirmando sua independência e, de certa maneira, reconquistando um prestígio profissional que havia arranhado ao ombrear-se a um político polêmico como Bolsonaro. Moro, ao se demitir, se consagrou. Se quiser continuar na política, será, pelo menos no momento, o mais forte nome na campanha à Presidência da República.
Já Bolsonaro sofreu um abalo irrecuperável. Em sua despedida, Moro fez revelações que devem, nos próximos dias, gerar graves processos judiciais contra o presidente. Afinal, o ex-ministro disse, entre outras coisas, que Bolsonaro está promovendo mudanças na Polícia Federal para interferir em investigações que estão apontando seus filhos como praticantes de ilícitos. Há aí, no mínimo, prevaricação, tráfico de influência e obstrução de justiça. Ou seja: sérios crimes de responsabilidade, passíveis de impeachment. São acusações muito mais pesadas do que as que removeram Collor e Dilma do poder.
Como vão reagir as instituições diante dessas denúncias?
Como vão reagir os eleitores de Bolsonaro?
Não há como ficar indiferente a tamanho escândalo.
O cidadão brasileiro que se indignou com a corrupção das gestões do PT, que saiu às ruas para gritar fora Dilma, que não aguentava mais um governo que se apropriava do Estado em benefício próprio, esse cidadão tem, agora, o dever de repudiar um presidente que usa o governo como um tacape institucional a fim de proteger seus filhos.
Bolsonaro governa como se administrasse uma quitanda, não como presidente de uma nação traumatizada pela instabilidade econômica, pelas ameaças à saúde e pelo caos político. Não bastasse tudo isso, ele foi à TV, no fim da tarde desta sexta-feira, e cometeu um pronunciamento destrambelhado na forma e inconsistente no conteúdo, sem conseguir responder a uma só denúncia feita por Moro e fazendo uma salada verbal de tal maneira ilógica, que desperta preocupações acerca de sua sanidade emocional.
Trata-se, talvez, do momento mais dramático de tantos momentos dramáticos que o Brasil enfrentou nos últimos 10 anos. Estamos em meio a uma pandemia, sofrendo com uma explosão de desemprego e de falências, estamos inseguros e incertos a respeito do futuro. Não é hora para conflitos políticos. Não é hora de desagregar. Bolsonaro, se for realmente o patriota que alega ser, deveria licenciar-se do cargo, deveria se afastar até que a crise seja solucionada. Em nome da união. Em nome da paz. Em nome do Brasil.