Depois de mais de um ano engolindo sapos, o agora ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, resolveu deixar o governo pela porta da frente. Para tentar salvar sua biografia, arranhada pela participação em um governo repleto de integrantes que em certos momentos exibem sintomas de demência, o ex-juiz fez denúncias tão graves que podem culminar com a queda do presidente Jair Bolsonaro.
Moro falou durante quase 40 minutos como ministro da Justiça – e este não é um simples detalhe. Não tinha ainda pedido demissão quando sentou-se no auditório para o pronunciamento em que expôs delitos do presidente que podem ser enquadrados como crime de responsabilidade ou improbidade administrativa.
Pela segunda vez em dois anos, Moro pode mudar a História da República. Primeiro com a caneta, na sentença que tirou o ex-presidente Lula da disputa presidencial de 2018, e agora com as palavras ditas ao microfone e transmitidas para o mundo. Somente às 11h42min, depois de ter feito graves acusações contra o presidente, Moro anunciou que escreveria a carta de demissão e limparia das gavetas.
Em síntese, disse, ainda na condição de ministro, que Bolsonaro mentiu no Diário Oficial ao escrever que o diretor da Polícia Federal estava sendo exonerado a pedido. Transpareceu a acusação de que o presidente levou as fake news para um documento oficial, porque até assinatura do Moro no ato foi colocada sem que ele soubesse ou tivesse avalizado. A esse delito se dá o nome de falsidade ideológica. Mas essa nem foi a acusação mais grave, e que compromete a permanência de Bolsonaro no cargo.
Gravíssima foi a afirmação de que o presidente tentou interferir na Polícia Federal, preocupado com investigações que envolvem sua família. E que Bolsonaro queria acesso a relatórios da PF, uma interferência que atenta contra a independência da instituição e pode prejudicar investigações cruciais no combate à corrupção.
— O grande problema não é quem entra (no lugar de Valeixo), mas por que entra — disse Moro, insinuando que alguém escolhido por indicação política comprometeria o trabalho de uma instituição em que deve prevalecer a técnica.
Do jeito que o conhecemos, o governo Bolsonaro acabou nesta sexta-feira. Outro, que pode ser interrompido pela renúncia ou por um processo de impeachment, começa com a saída de Moro, tido até então como um dos selos de credibilidade para o governo errático do capitão.
O ritmo da marcha será definido por outro selo de credibilidade, o ministro da Economia, Paulo Guedes, que dá sinais de exaustão. Enquanto Moro falava, o dólar explodiu e a bolsa de valores desandou, em um sinal de que o mercado não estava precificando apenas a saída do ministro da Justiça, mas o derretimento do governo.
Moro disse que quando trocou seus 23 anos de magistratura pela cadeira de ministro sabia que era um caminho sem volta. Agora vai descansar e, depois, procurar emprego, porque não enriqueceu. No curto prazo, pode ser consultor, palestrante ou mesmo secretário em algum governo estadual. Do ovo chocado por Bolsonaro nestes 15 meses, pode ter nascido um candidato a presidente ou a vice para 2022.
Aliás
Um dos trechos mais surpreendentes da manifestação de Sergio Moro foi o reconhecimento de que nos governos do PT nunca houve tentativa de interferir na autonomia e independência da Polícia Federal.