Ao justificar seu pedido de demissão atribuindo ao presidente Jair Bolsonaro tentativa de interferir na Polícia Federal (PF), com objetivo de acessar relatórios de inteligência sigilosos, o ministro da Justiça, Sergio Moro, deu causa à abertura de inquérito contra a maior autoridade da nação. A avaliação é de juristas e ministros de cortes superiores consultados por GaúchaZH na manhã desta sexta-feira (24).
Além do eventual crime de improbidade administrativa e de responsabilidade pela quebra da impessoalidade das funções de chefe de Estado, Bolsonaro poderia, cogitam os magistrados, ter incorrido ainda em falsidade ideológica, ao incluir o nome de Moro no decreto de exoneração do diretor-geral da PF, Maurício Valeixo.
No pronunciamento de 40 minutos em que explicou os motivos de seu pedido de demissão, Moro afirmou que não assinou o documento e que tampouco a exoneração do subordinado se deu “a pedido”, como consta no documento publicado no Diário Oficial da União.
— Ele disse que tomou conhecimento pela publicação do Diário Oficial. Aí a coisa começa a ficar mais séria ainda. É falsidade documental, ideológica — afirmou o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio Mello.
Segundo o ministro, o STF precisa aguardar os próximos acontecimentos, sem agir de ofício, Mello disse que aguarda um posicionamento do procurador-geral da República, Augusto Aras, e do Congresso Nacional.
— Com a palavra, o procurador-geral da República, e talvez com a palavra também o Poder Legislativo. Vamos esperar que as instituições funcionem para termos dias melhores. Não pode haver esse tipo de coisa no âmbito da administração pública. O ministro (Moro) não poderia adotar outra postura que não revelar realmente porque está deixando o cargo — salientou.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), o entendimento é semelhante. Para o ministro Jorge Mussi, integrante colegiado que julga os processos da Lava-Jato na Corte, as revelações de Moro justificam a abertura de uma investigação contra Bolsonaro.
— Em tese, pode haver crime. É importante ouvir o outro lado. As gravações (da fala de Moro) compõem materialidade. Para que haja crime é preciso autoria e materialidade. Evidente que essas colocações feitas pelo ministro, por se tratar de um homem de bem, seguramente se chamado presume-se que vai confirmar. Mas motiva sem dúvida a abertura de inquérito — avalia.
Nos bastidores do Judiciário, a manifestação de Moro causou estupefação. Se o pedido de demissão não foi surpresa, em virtude do ambiente criado desde quinta-feira (23) com o aviso de Bolsonaro que deseja demitir Valeixo, mas sobretudo pelo teor das razões apresentadas pelo titular da Justiça.
Durante os 39 minutos de seu pronunciamento, Moro disse que havia interesse do presidente de trocar inclusive superintendências estaduais da PF, citando especificamente Pernambuco e Rio de Janeiro.
No Rio, correm três investigações delicadas para a família Bolsonaro: o assassinato da vereadora Marielle Franco, o esquema de rachadinha no gabinete do senador Flávio Bolsonaro e as ações do grupo miliciano Escritório do Crime. Moro disse ainda que o presidente admitiu especial preocupação com o inquérito que tramita no STF para apurar autoria de disseminação de fake news contra ministros da Corte.
— Ele não queria saber de um processo que está na Vara tal, mas sim que estava sendo conduzido por outro poder, que tem independência, autonomia para promover a investigação. Ele quer chegar no que tem no Supremo através da Polícia Federal. É mais grave. É um crime praticado contra outro poder, dito de forma expressa (pelo ministro da Justiça) — comenta o jurista e ministro aposentado do STJ Gilson Dipp.