Ele era um militar que se tornou presidente da República. Era um homem grosseiro e autoritário, sem traquejo para o diálogo com quem pensava diferente. Era capaz de descortesias chocantes, incompatíveis com o cargo que ocupava. Por exemplo: uma vez, o ministro das Relações Exteriores da França tentou encontrá-lo oficialmente e ele se negou a recebê-lo, causando constrangimento internacional. Mesmo assim, milhões de brasileiros o admiravam e o viam como uma espécie de guerreiro contra a corrupção dos civis.
Você sabe de quem estou falando.
Obviamente, de Floriano Peixoto.
Trata-se de uma história antiga, mas preciso contá-la, porque é como se estivesse acontecendo de novo.
Estou falando de como começou a nossa República. É uma fase de absoluta importância, como importante é a primeira infância na formação da personalidade de um indivíduo. Então, repassar aquele tempo é como fazer uma sessão de análise do Brasil. Houve algo que nos traumatizou? O que nos fez ser como somos hoje?
Bem. O problema é que a nossa infância foi meio torta. Alguns dos principais líderes da proclamação da República não eram republicanos. Deodoro da Fonseca, o primeiro presidente, e seu vice, o já citado Floriano, que lhe sucederia e seria o segundo presidente, eram monarquistas.
A questão é que os verdadeiros republicanos, como Benjamin Constant, Quintino Bocaiúva e outros personagens que viraram nome de rua, precisavam de Deodoro e Floriano, porque os dois tinham grande liderança no Exército. Como convencê-los a mudar de lado? Eis aí mais uma semelhança com os nossos tempos: com fake news.
Às vésperas da proclamação, Deodoro estava doente e acamado. Então, os republicanos fizeram chegar à beira do leito do enfermo a notícia (falsa) de que o imperador havia escolhido o gaúcho Gaspar Silveira Martins como novo primeiro-ministro. Ocorre que Deodoro e Silveira Martins eram rivais por causa, é claro, de uma mulher. Na época em que Deodoro havia governado o Rio Grande do Sul, ele se apaixonou por Maria Adelaide Andrade Neves, a bela Baronesa do Triunfo, mas quem ganhou o coração da moça foi Silveira Martins. O que não surpreendeu ninguém, porque Deodoro era um tímido, enquanto Silveira Martins se notabilizou por sua dedicação ao sexo oposto. Quando morreu, inclusive, estava em plena atividade amorosa, entre lençóis, acompanhado de uma caliente uruguaia.
Deodoro, portanto, reunia sobejas razões para não admitir que Silveira Martins fosse o chefe do ministério. A isso, ele preferia derrubar a monarquia. Derrubou.
Bolsonaro é um simulacro de Floriano Peixoto, os bolsonaristas são a repetição dos florianistas.
Eleito presidente, Deodoro virou… rei. Ou, antes, ditador. Ele fechou o Congresso e decretou estado de sítio. Depois que Deodoro se retirou, Floriano, por sua vez, foi… ditador também. Só que a população gostava dele. Ou, pelo menos, parte da população, os chamados “florianistas”. Esses queriam que ele fosse ditador para sempre.
Do outro lado, contra Floriano, Deodoro e o imperador, havia a elite paulista, os ricos produtores de café. Foram eles que comandaram a República depois de Floriano, com a famosa política café com leite, que alternava presidentes entre São Paulo e Minas Gerais.
Agora analise o quadro: as forças políticas da República Velha eram os militares e as oligarquias rurais do centro do país. O que mudou, com a Nova República, foi que outra oligarquia tomou espaço: a indústria.
Foram esses interesses que sempre elegeram os presidentes brasileiros, até que Getúlio, ao voltar ao poder, aliou-se a nova força, que crescia: a classe trabalhadora.
Veja o que tínhamos: os militares, os industriais e os operários. Nenhum desses setores conseguia se manter sozinho no poder, eles tinham de fazer alianças. Em 1964, foi a junção dos militares com os industriais que venceu. Porém, a sociedade foi se modificando, a classe média aumentou e se diversificou. Quando o PT assumiu o poder, em 2002, havia vários interesses de braços dados: sindicatos e indústrias, bancos e igreja, funcionários públicos e empreiteiras.
Com todas essas forças unidas, onde o PT se perdeu?
Ao não compreender a dinâmica da classe média. Porque entre cada um desses parceiros de poder do PT, em meio a sindicatos, indústrias, banqueiros, igreja, funcionários públicos e empreiteiros, há uma massa que quase sempre foi apolítica. Essa massa imensa, disforme e variada é, na verdade, quem sustenta todos os outros setores. Mas essa massa era, de certa forma, menosprezada. Ela não tinha estabilidade no emprego, nem crédito amigo, nem isenção de impostos. Essa massa corria todos os riscos de um capitalismo moreno que não é capitalismo: é uma mescla de paternalismo com patrimonialismo.
Resultado: essa massa não se ideologizou, ela se contraideologizou. Ela se construiu na desconstrução do PT. E, para tanto, se uniu aos primeiros donos da República. Aos militares.
Bolsonaro é um simulacro de Floriano Peixoto, os bolsonaristas são a repetição dos florianistas. Que, na época, eram chamados de “jacobinos”, em alusão aos radicais da Revolução Francesa.
Jacobinos. Um bom nome para os governistas de hoje. Até porque, você sabe, a maior obra dos jacobinos foi instalar… o Terror.