Poderia comer massa todos os dias sem enjoar. Todos os dias. Houve época em que meu amigo Nei Manique comia massa todos os dias. O Nei Manique é um dos expoentes do jornalismo de Santa Catarina. Ele é de Criciúma e tem ascendência italiana. Já morou na Itália, inclusive.
Hoje o Nei não come mais massa todos os dias, mas, num passado de glórias culinárias, ele chegava a fazer a própria massa. A gente aparecia em sua casa e ele anunciava, colocando Laura Pausini para rodar na vitrola:
– Vou preparar uma carbonara!
Você comeria massa todos os dias? E carne? E peixe? O que você comeria todos os dias?
E se punha a misturar farinha com água e a amassar a massa com as mãos, todo aquele criterioso processo, que, não raro, levava três horas para ser concluído. Enquanto isso, ficávamos conversando e bebendo cerveja. Na hora de a carbonara ser servida, o mundo estava mais leve e nós já nos sentíamos muito mais alegres.
Aliás, existe febril polêmica acerca da carbonara. O termo se origina da palavra “carbone”, que era um centromédio que jogou na dupla Gre-Nal nos anos 1970 e também a forma como os italianos chamam o carvão. Carbone era ótimo meio-campista, mas duvido que tenha sido ele o autor da massa à carbonara. Por isso, acredito na versão de que esse prato foi feito em primeiro lugar pelas cozinheiras que alimentavam os carvoeiros da região de Roma, a Cidade Eterna.
Mas a grande questão (ou “cuestão”, como diz Jair) nem é a origem do termo, e sim a forma de preparo. A maioria das pessoas faz com tiras de bacon, alimento muito apreciado pelos americanos. Tanto que existe uma lenda dando conta de que foram eles, americanos, os criadores da carbonara. Na Segunda Guerra Mundial, os soldados do Tio Sam, amantes do bacon, o teriam acrescentado ao espaguete e juntado também ovos para dar um molho, surgindo assim essa delícia. Considero tal ideia absurda. Os americanos podem ir à Lua, os americanos podem curar o câncer, os americanos podem inventar a luz elétrica e o automóvel, mas os americanos não têm imaginação para cozinhar nem para jogar futebol.
Junte essa hipótese com a do centromédio Carbone, pois, e descarte ambas. Voltemos ao colo acolhedor das cozinheiras romanas. Foram provavelmente elas que criaram a massa à carbonara e, no começo, não se valeram do bacon, e sim de macias bochechas de porco, ingrediente raro, que você não encontrará no supermercado da esquina e talvez nem em lojas importadoras. Isso nos leva de volta ao bacon, que deve ser posto em mansa fritura na panela, até que libere a gordura. É nessa gordura que você despejará a massa adrede cozida. Enquanto estiver mexendo e misturando a gordura, o bacon e a massa, quebre quatro ou cinco ovos e deite-os sobre tudo e siga mexendo e mexendo. Note: é o calor da massa e da gordura desprendida pelo bacon que cozinhará os ovos, não o do fogo do fogão, que, neste momento, estará desligado. Por fim, espalhe por cima muito queijo pecorino, de ovelhas jovens, mesclado ao suave parmesão, e, pronto!, estamos servidos!
Dizem que é essa a receita autêntica da carbonara, uma alquimia simples, quase minimalista, e não aventuras estranhas com linguiça, salsicha, presunto e até ervilhas, que, revelo, já experimentei e, confesso, levemente envergonhado, gostei.
Mas não era sobre a massa à carbonara que queria falar, juro. Era sobre comer massa todos os dias. Você comeria massa todos os dias? E carne? E peixe? O que você comeria todos os dias? Terei de discorrer mais a respeito na próxima coluna.