Fui dar uma caminhada, aí sabe o que fiz? Peguei meus moderníssimos fones de ouvido conectados ao celular pelo dente azul, o Bluetooth, e coloquei para rodar só músicas do Rei dos anos 70.
Sou um cara romântico.
Saí às ruas e, já na primeira canção, Roberto contou que havia guardado um amor infinito e procurado o lugar mais bonito para sua amada, mas, por alguma razão desconhecida, ela o abandonou mesmo assim. Aí ele arremata com a joia do verso. Toda a letra foi escrita para aquela frase:
Será que o velho Roberto Carlos teria igual sucesso num mundo em que fracassos não fazem parte da vida?
“Ah, se eu fosse você, eu voltava pra mim”.
Não é lindo o jogo que ele faz com esse prenúncio de conselho supostamente sensato? Porque, quando a pessoa observa “se eu fosse você”, ela está se pondo no lugar da outra. Ela está dizendo: “Eu quereria isso para mim. Logo, é o melhor para você”.
Alexandre, o Grande, ouviu isso há 23 séculos. Ele estava prestes a conquistar a Pérsia, e o rei inimigo, Dario III, fez uma proposta: daria, sem luta, metade do seu império, em troca da paz. Parmênio, general macedônio, disse:
– Eu, se fosse Alexandre, aceitaria.
Alexandre riu e respondeu:
– Eu também aceitaria, se fosse Parmênio.
Mas, como Alexandre era Alexandre, não aceitou, entrou em luta e ganhou o império inteiro, em vez de metade dele.
A namorada de Roberto Carlos deve ter pensado o mesmo, porque ele continuou a cantar músicas tristes, mesmo depois desse apelo. Tanto que, na segunda da minha lista, ele se lamuria:
“Você já me esqueceu, e eu não vejo um jeito de fazer você lembrar que eu era tudo pra você”.
Coitado.
A terceira tem um final de atar nós em gargantas:
“Ah, saudade vai chegar e, por favor, meu bem, me deixe pelo menos só te ver passar. Eu nada vou dizer. Perdoa se eu chorar”.
Glup.
Depois, chegou a melhor de todas. É um primor de queixume. O Rei diz saber que a moça nunca mais ouviu falar dele. Mas ele não. Ele continua a tê-la “em toda essa saudade que ficou”. Em seguida, como num suspiro, admite: “Tanto tempo já passou e eu não te esqueci”. Então, relata que várias vezes pensou em resolver a situação, procurá-la e declarar o seu amor, só que desistiu. “O meu silêncio foi maior”, explica o Rei, dando um pseudônimo para o medo de ser rejeitado.
Mas é um verso no meio da canção que é o grande verso. É quando ele faz outra brincadeira com o sentido das palavras:
“Se alguma vez você pensar em mim, não se esqueça de lembrar que eu nunca te esqueci”.
Há um erro de concordância nessa frase, mas a gramática correta entortaria a poesia. O que importa é a grandiosa manifestação de humildade do homem abandonado: se alguma vez, por acaso, ela pensar nele, deve lembrar-se: “Esse cara nunca me esqueceu”.
Que satisfação sentiria essa mulher! É o homem minúsculo diante da mulher gigantesca, sobranceira, senhora do destino. É a balada do derrotado, o oposto diametral do espírito das redes sociais de hoje, em que todo mundo é feliz, poderoso e cínico. Tendo as pessoas se tornado assim tão fortes, pelo menos na aparência, fica difícil assimilar um revés. Donde, as agressões, as ofensas, os ressentimentos e até as mortes.
Será que o velho Roberto Carlos teria igual sucesso num mundo em que fracassos não fazem parte da vida? Talvez não. Nesse tempo em que ninguém rasteja, as pessoas não sabem mais que, às vezes, não há nada de mal em perguntar: “Por que me arrasto a seus pés? Por que me dou tanto assim? E por que não peço, em troca, nada de volta pra mim?”.