O melhor assunto não é política, não é futebol e nem mesmo é a delícia ou a perfídia das mulheres. O melhor assunto é a felicidade. As pessoas passam a vida buscando a felicidade. Por isso existe a religião, por isso existe a filosofia. Ambas tentam encontrar uma fórmula para ser feliz.
Há pessoas que estudam a felicidade. São, exatamente, os teólogos e os filósofos. Ou, pelo menos, os bons entre eles. Quando encontro uma dessas pessoas, minha tendência é explorá-las e investigar o que pensam a respeito.
Há uns 20 anos, talvez, tive um encontro fortuito com um desses especialistas, o Armindo Trevisan. Veja que sorte a minha: ele é filósofo e teólogo. E escritor. Foi devido a essa última condição que nos pechamos. Na época, éramos atendidos pela mesma agente literária. Não lembro o nome da moça, nunca mais tive agentes literários. Também não lembro da cidade onde estivemos, suspeito ter sido Santa Cruz do Sul. Só lembro que retornamos juntos, no mesmo carro, e que aproveitei para especular acerca dessas questões do espírito, e que foram horas agradáveis.
Antes de contar por que escrevo agora sobre o Trevisan, aviso que ele também é poeta, e até reproduzo um trecho de um poema de sua lavra do qual gosto bastante:
"Sou homem... Que
bom é ser
qualquer coisa, assim, ao léu,
uma pluma de vender,
um pensamento, um chapéu,
enfim ser tão somente isto,
ser apenas pelo meio,
sem um nome, sem um misto
de ancoragem ou de enleio,
ser nada (não é possível)
ser tudo (mas é demais)
ser então o indefinível
nem tão pouco, nem demais".
Ocorre que o poeta me enviou um e-mail a propósito da coluna que escrevi no domingo, na qual publiquei pedaços de um livro de autoria dos meninos que estão internados na Fase. Segue parte do texto do Trevisan:
"Fiquei aturdido com os fragmentos que citaste do livrinho. Então é isso que existe no Brasil? Uma tua frase conseguiu me enregelar: 'São textos simples, é óbvio – estamos falando de meninos que, tecnicamente, estão presos por crimes que cometeram, e não raro por crimes graves'.
Bem, as tuas transcrições são variadas: algumas revelam arrependimento por parte dos 'meninos'. Outras são de uma frieza que deve esconder o mais íntimo das criaturas, e por isso chocam um pouco um leitor como eu. Tua observação reflexiva sobre os depoimentos é a parte essencial de tua crônica:
'Já fui várias vezes à Fase, para dar palestras aos internos. Nunca encontrei um menino que viesse de família constituída, com pai e mãe que realmente cuidassem dele. Na maioria dos casos, o pai havia sumido, ou ele não o conhecia, ou era um bêbado ou um drogado que abusava dos filhos. A referência para os garotos sempre é a mãe'.
Explico-te por que teu texto me emocionou: ele evocou-me um outro texto, o de Jesus, de uma gravidade apavorante. Abre, por favor, o Evangelho de São Mateus, no capítulo 18, que começa assim:
Nessa ocasião, os discípulos aproximaram-se de Jesus e lhe perguntaram: 'Quem é o maior no Reino dos Céus?'. Ele chamou perto de si uma criança, colocou-a no meio deles e disse: 'Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus. Aquele, portanto, que se tornar pequenino como esta criança, esse é o maior no Reino dos Céus'.
Até aqui surge Jesus 'o suave rabi da Galileia'. Repare como Ele se transforma:
'Caso alguém escandalize um destes pequeninos que creem em mim, melhor será que lhe pendurem ao pescoço uma pesada mó e seja precipitado nas profundezas do mar. Ai do mundo por causa dos escândalos! É necessário que haja escândalos, mas ai do homem pelo qual o escândalo vem!'.
Há nisso tudo um mistério, que eu – como crente – não consigo 'compreender'. Por que é necessário que haja escândalos?
O problema é que existem homens tão desumanos, que tornam seus filhos verdadeiros criminosos".
Talvez Jesus não quisesse dizer que os escândalos são necessários, e sim que são inevitáveis. Mas o certo é que esses homens que provocam escândalos são, exatamente, os pais sem alma que abandonam ou abusam dos filhos. Eles é que são responsáveis por grande parcela da infelicidade do mundo. E só por isso merecem a maldição de Jesus: que uma pedra lhes seja pendurada no pescoço e que sejam precipitados nas profundezas do mar.