Volta e meia, recebo e-mail de alguém que diz ter adquirido o gosto pela leitura por causa das crônicas que cometo em Zero Hora. Aí fico exibido. E não sou exibido, acredite. Posso parecer, não sou. Agora, quando um leitor fala coisas assim, meu peito infla que nem o de um pombo que quer se mostrar para a pombinha amada.
Ontem, recebi uma correspondência do gênero, do leitor Renan Menezes, que contou:
"Sempre começo a ler a Zero Hora por tua coluna, onde muito aprendi em termos de história e conhecimentos. Sei que tu conseguiste isso através de esforço e leitura. Gostaria de receber indicações de livros para que possa eu também desenvolver esse hábito que tanto o invejo".
Nos últimos tempos, pedidos semelhantes têm-me sido feitos amiúde por outros leitores. Talvez cultivem a intenção de dar livros de presente de Natal, o que é bom e bonito, ou queiram levar um como companhia nas férias. Seja. Vou atendê-los agora. Começo pelos meus preferidos: os americanos. Gosto da linguagem selvagemente urbana dos americanos, desenvolvida graças ao vigor de seus jornais e de suas revistas – o jornalismo, bem como o Direito, está engastado no centro da civilização americana.
Gosto da linguagem selvagemente urbana dos americanos, desenvolvida graças ao vigor de seus jornais e de suas revistas – o jornalismo, bem como o Direito, está engastado no centro da civilização americana.
Então, você pega um Truman Capote, por exemplo, e encontra, apenas, a perfeição estilística. Já disse e repito: Capote teceu a sentença que define o texto ideal. Ele disse: "Procuro a frase que tenha a maleabilidade e a resistência da rede de pescar". Esse, leitor, é o Santo Graal do texto.
Capote era um tipo reptiliano, malicioso. Apreciava retratar personagens reais da vida cultural de Nova York, e o fazia sem poupá-los de suas fraquezas. Isso lhe rendeu dissabores e, no fim da vida, uma espécie de ostracismo.
Uma vez, perguntaram-lhe o que achava da literatura beat, que fazia enorme sucesso nos Estados Unidos, principalmente com o hoje clássico On the Road, de Jack Kerouac, traduzido para o português do Brasil pelo Peninha. Capote respondeu, fazendo um trocadilho que funciona em inglês, mas nem tanto em português:
– Isso não é escrever; isso é datilografar.
Faz sentido. Os beats escreviam num fluxo de pensamento, como se as ideias e as emoções jorrassem diretamente da cabeça para os dedos do autor. Você não terá, ao entrar em On the Road, o cuidado, o critério e a elegância com que Capote burilou Bonequinha de Luxo e A Sangue Frio. Mas terá diversão, ah, sim.
Capote levou o troco. William Burroughs, autor de Almoço Nu, o mais velho dos beats, meio que pai de todos eles, escreveu uma carta ferina a Capote, depois do lançamento de A Sangue Frio. Ninguém sabe se a carta foi entregue ao destinatário. Suspeito que sim. Burroughs acusa Capote de ter se vendido e lhe lança uma maldição: "Você está acabado como escritor. Nunca mais conseguirá escrever uma única frase acima de A Sangue Frio. O seu talento foi retirado. Você me entendeu? Sabe quem eu sou? Você me conheceu por muito tempo. Essa é minha última visita".
A maldição pegou. Capote nunca mais escreveu uma linha acima de A Sangue Frio.
Não se podia dizer que Burroughs fosse um cara "normal". Não era, nem queria ser. Era agressivo e adorava armas. Era homossexual e amava uma mulher, com quem se casou. Certo dia, troncho de bêbado, equilibrou um copo na cabeça dela e garantiu que iria quebrá-lo com um tiro de espingarda. Recuou a certa distância. Atirou. E acertou entre os olhos da amada, que caiu morta.
Não sou um admirador do estilo de Burroughs, não o recomendaria como leitura de férias. Ele é intencionalmente tosco. Francamente, é um escritor sem graça.
Veja só: escrevi tão pouco sobre poucos autores e me falta espaço. Vou falar de outros, outros dias. Não amanhã, não se irrite. Amanhã falarei de um autor gaúcho que admiro e que me enviou um e-mail interessantíssimo neste domingo. Até lá.