Luís XIV tinha o hábito de dizer que o Estado era ele. "O Estado sou eu." Aviso útil, porque dirimia dúvidas. O que era o Estado? Quem era o Estado? Era o rei Luís. Pronto.
Já nós, brasileiros, nos atrapalhamos com isso. Exemplo: o presidente eleito, Jair Bolsonaro, anunciou que fará uma espécie de retaliação contra a Folha de S.Paulo porque não gostou da cobertura do jornal durante as eleições. Bolsonaro disse que a propaganda oficial não será publicada na Folha durante seu governo.
Ora, a propaganda oficial é oficial porque é do Estado. Sua função é comunicar aos cidadãos atos do Executivo, não fazer o elogio ao governo ou a um governante. Existe uma regulamentação para a publicação da propaganda oficial, é algo técnico, reto. Não é o governo que escolhe isso, isso está estabelecido pela lei. Pelo Estado. Suspeito que Bolsonaro esteja achando que ele é o Estado.
Ao mesmo tempo, quase toda a imprensa brasileira publicou, dias atrás, uma notícia em tom de escândalo revelando que uma deputada estadual antipetista vive em um apartamento do Minha Casa Minha Vida. E o que é que tem? Só pode morar em apartamentos do Minha Casa Minha Vida quem for do partido ou simpatizante?
Minha mãe comprou nosso apartamento no IAPI graças a um programa do Estado financiado pelo BNH. Esse programa havia sido estabelecido pelo então governo militar. Pela lógica da nossa imprensa, eu deveria apoiar o governo militar.
O BNH e o Minha Casa não são de governos, de presidentes ou de partidos. São do Estado brasileiro, que, eventualmente, pode ser governado pelo PT ou pelos militares ou pelo Bolsonaro ou pelo Tiririca.
Essa confusão está no centro de muitos de nossos problemas. As relações entre governo e empresários, entre empresários e partido, entre partido e governo, tudo isso tem de ficar submetido ao funcionamento sistemático do Estado. Não porque o Estado esteja acima de todos, mas porque todos compõem o Estado. O Estado não foi aquele Luís XIV nem foi o nosso Luiz Inácio e nem será Jair. O Estado não foi o PT, não é o Exército nem é o governo ou o partido que comanda o governo. O Estado é o conjunto da sociedade organizada. Quando entendermos isso, poderemos chamar o presidente eleito e censurá-lo:
– Não, senhor Bolsonaro, o senhor não pode dizer que vai dirigir a publicidade estatal para lá ou para cá. Quem decide isso somos nós, através da lei. Nos obedeça: cumpra a lei!
E também para a imprensa poderemos dizer:
– Senhores jornalistas, quem é contra um governo pode, sim, se beneficiar de um programa do Estado, mesmo que o programa tenha sido criado por esse governo. O governo tem de gerir o Estado, tem de ser o Executivo. Ou seja: executar as nossas ordens, que damos através da lei.
Parece complicado, mas é simples: o Estado somos nós.
Moro ministro
Em 2017, com a Lava-Jato nas alturas, funcionando havia três anos, Bolsonaro avistou Sergio Moro no aeroporto de Brasília. O juiz estava cercado de tietes e o deputado, encantado, agiu como uma delas: foi até onde o grupo se encontrava. Respeitoso, esperou que Moro se virasse, então fez uma breve continência e disse:
– Doutor Moro…
O juiz olhou rapidamente para o deputado, cumprimentou-o sem qualquer formalidade, deu-lhe as costas e seguiu seu caminho. A cena está no YouTube. Os jornais noticiaram que Moro havia ignorado Bolsonaro. Depois, Moro explicou que apenas não o reconhecera.
Quer dizer: Moro não conhecia Bolsonaro pessoalmente, e a Lava-Jato já estava no auge e Dilma já havia sido cassada. Nunca houve, portanto, qualquer relação entre Moro e Bolsonaro. As decisões do juiz não foram tomadas de acordo com os interesses do futuro candidato a presidente.
Moro aceitou o convite de Bolsonaro para a pasta da Justiça certamente por achar que pode fazer mais como ministro do que como juiz de primeira instância. Ou alguém pensa, de verdade, que Moro fez o que fez por estar de olho numa boquinha no governo? Francamente, pessoal…
O Grêmio na final
O Grêmio tem chances de passar à final da Libertadores via tapetão. Seria vagamente vergonhoso. Não por causa do tapetão; por causa do jogo.
No jogo, na terça-feira, o Grêmio se descredenciou para ir à final. Se tivesse jogado bem, o gol com a mão e a malandragem suína do técnico do River seriam intoleráveis. Mas, pela forma pequena como o time atuou, o que o adversário fez de errado corrigiu a injustiça do campo.
Se o Grêmio for à final, terá a obrigação de mostrar um futebol muito maior do que o seu constrangimento.