Não sou homem de salpicões, preciso deixar isso bem claro. Mas ontem havia aquele salpicão de salmão no refeitório da firma, e vacilei. Tinha aparência apetitosa, o salpicão. Era rosado e cremoso e pontilhado de batatas-palha, essa sutil invenção brasileira. Servi-me, pois. Porém, moderadamente. Uma única colher. E fim. Fui em frente com minha bandeja, logo adiante um aipim cozido se oferecia sem pudores e fiz dele o meu prato de resistência. No entanto, enquanto avançava até o setor das carnes, cogitei: será que não deveria ter me servido mais daquele salpicão de salmão?
Esse pensamento me fez estremecer. Especulei: terá algo mudado dentro de mim?
Talvez algo tenha mudado dentro de mim. Mas não a ponto de comer quiches.
Porque, entenda, prefiro comidas simples e, óbvio, saborosas. Nos longínquos anos 1980, viajava com meus amigos para o Farol de Santa Marta, em Santa Catarina, e nossas refeições eram exatamente assim. Refeições inesquecíveis, tenho de dizer.
Íamos na casa de um pescador. Era a mulher dele mesmo quem cozinhava e nos servia na mesa em que comia a família. Peixe frito, arroz, feijão, uma saladinha, batatas douradas. Para acompanhar, uma cerveja que ela tirava do freezer branquinha, de tão gelada. Cobrava, por tudo isso, algo como uns R$ 10. Era supimpa.
Já a minha avó preparava abóbora com linguiça, uma linguiça bem fininha, que, meu Deus!, como resistir a repetir? Eu não resistia. Eu repetia.
A minha mãe tinha uma regra, quando cozinhava: a gente só sabia o que era no momento em que os pratos vinham para a mesa. Eu e meus irmãos chegávamos da escola e às vezes perguntávamos:
– O que tem pro almoço, mãe?
– Não te interessa. Tem que comer o que tem.
Usei essa fórmula com meu filho, com pequena variação. Sempre disse para ele:
– Nós comemos de tudo!
Hoje, ele come de tudo. Até brócolis. Até mocotó. Mas, um dia, a Marcinha, que está cozinhando muito bem, aliás, fez um frango, e não sou muito entusiasta de frangos. Acho que é por causa de uma lembrança de infância: aos domingos, minha avó fazia galinha com arroz. Ela mesma escolhia uma de suas galinhas, que ciscava feliz pelo quintal. Então, tomava-a nos braços, torcia-lhe agilmente o pescoço e a matava com um único crec, com eficiência de assassino de aluguel. Depois, ela escaldava a galinha com água fervente para lhe remover as penas. Vez em quando, eu ajudava nesse trabalho e até hoje lembro do cheiro das penas queimadas. Agora, vendo um pedaço de galinha no prato, recordo daquele cheiro.
Portanto, disse para a Marcinha que, daquela vez, ia deixar passar a galinha. E meu filho, que tinha uns sete anos de idade, enviou-me um sorriso de sarcasmo do outro lado da mesa, perguntando:
– Ué, nós não comemos de tudo?
Humpf. Tive de comer aquela galinha. Tudo bem, como de tudo mesmo. Mas não me venha com quiches e salpicões. Essas coisas, para mim, são, no máximo, breves entradas, que em geral dispenso.
Só que ontem, no refeitório, senti-me atraído pelo salpicão, provei-o e… oh, minha intuição estava certa: devia ter colocado mais no prato. Devia! Que arrependimento por ter sido tão comedido! Saí do refeitório recomendando a todos os colegas com os quais cruzava:
– Coma o salpicão! Não deixe de comer o salpicão!
E fui para a Redação pensando que, de fato, talvez eu não seja mais o mesmo. Talvez algo tenha mudado dentro de mim. Mas não a ponto de comer quiches. Quiches jamais me conquistarão!