Chovia. Fazia frio. Era um inverno úmido como só podem ser os invernos de Porto Alegre. E lá estava eu, preparando o meu primeiro puchero. Foi uma aventura. Mais: foi uma aventura arriscada. Até então, nunca havia feito puchero, apenas observara quando outros faziam. Mas uma formosa moça, na qual estava interessado sentimentalmente, havia comentado:
– Ai, eu queria tanto comer um puchero…
Vi uma oportunidade naquela declaração. A gente comete imprudências em nome do amor. Nos tempos do IAPI, havia uma menina que frequentava o CLJ, aquela associação de jovens cristãos. Todos os domingos, ela ia à missa, e me convidava para ir junto. Uma missa que começava às 8h da manhã, imagine. Isso tendo eu saído com os amigos no sábado à noite! Mas, ainda assim, enquanto me mantive em campanha para conquistar o coração daquela jovem católica, acordava cedo, tomava banho e às 8h em ponto estava sentado num banco de madeira, ouvindo a ladainha do padre. Cristo! Toda essa devoção não conta pontos a meu favor?
A gente comete imprudências em nome do amor.
A missa era uma chance de me aproximar da amada. Por que não a culinária? Por isso, quando a formosa moça disse "ai, eu queria tanto comer um puchero…", o que fiz foi espetar o dedo indicador para o alto e declarar com máxima confiança:
– Pois amanhã todos vocês comerão o melhor puchero das suas vidas, feito com minhas próprias mãos!
"Todos vocês" a que me referia eram os amigos e amigas que estavam em volta da mesa do bar em que bebíamos nossos dourados chopes cremosos. Eles festejaram o convite e já marcaram hora para chegar ao meu apartamento e ficou tudo acertado.
No dia seguinte, acordei meio mareado. Fiquei alguns minutos deitado na cama, de olhos abertos, fitando o vazio do teto, experimentando a desagradável sensação de que perpetrara alguma bobagem na noite anterior. Mas o quê? O quê??? Então, dei um tapa na minha própria e dolorida testa e exclamei: "O puchero!". Como já disse, nunca tinha feito um puchero…
Teria de fazer. A formosa moça havia batido palminhas de satisfação quando eu me exibira. Não podia dar para trás. E agora? Naquele tempo sem internet, a saída era ligar para minha mãe e pedir uma receita. Mas a minha mãe viajara para o Rio, se não me engano, e na época também não existia celular. Ela estava incomunicável.
Resolvi improvisar. Coragem! Nessas horas, é preciso ter coragem!
Corri ao Mercado Público. Lembrei-me de uma história a respeito da origem do puchero: as mulheres pobres de Corrientes, ao preparar um sopão para suas famílias, davam gosto ao caldo com ossobuco. Mas, como elas eram realmente pobres, muito pobres, de marré de si, conseguiam apenas um único ossobuco para todas as famílias. Assim, o ossobuco passava de uma casa para outra, de uma panela para outra, emprestando sabor aos cozidos, que se adensavam com os demais ingredientes, até virar um puchero.
Ou seja: o puchero tem que ter ossobuco. Só que não encontrei no Mercado. Por algum motivo, todos os ossobucos da praça tinham sido comprados avidamente naquele fim de semana. Optei por um pedaço de carne para sopa e mais embutidos – naquela época, havia menos preconceito contra embutidos.
Em seguida, concentrei-me nos tubérculos e nos legumes. Reuni tudo amorosamente e fui para casa. Guiei-me pela intuição: fiz um refogado com cebola e alho, onde fritei a linguiça. Depois, acrescentei as batatas, a couve, a cenoura, o repolho, a abóbora e, por que não?, a carne. E mais algumas espigas de milho, claro. E cobri tudo com água. E pus ao fogo. E salguei. E, enquanto fervia, mexi com uma colher de pau. Sim, pus-me a mexer com critério por horas, cuidando para que o preparado não grudasse no fundo e queimasse miseravelmente.
Quando os convidados chegaram, meu puchero estava da cor da carne, com uma consistência cremosa e muito cheiroso. A formosa moça, ao entrar no meu pequeno apartamento, apontou o narizinho perfeito para o alto, fungou e sentenciou:
– Mmmmmmmm…
Servi em pratos fundos, com queijo parmesão por cima. Para beber, um tinto honesto.
Não quero me gabar, mas foi um sucesso, senhores. Um sucesso! Vou repetir a receita neste inverno.
Quanto à formosa moça… Bem, eu disse que foi um sucesso.